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Anatomie d’Une Chute : Dissecar o Caos Relacional

Uma entrevista. Duas mulheres. Um copo de vinho. Um espaço envolvente (mais tarde, haverá ainda quem veja algo mais). E um som em crescendo que não sairá da nossa memória tão cedo. Assim se inicia, não uma queda, mas uma ascensão cinematográfica. 

Vão sendo raras as circunstâncias em que, ao entrar numa sala de cinema, estamos num total desconhecimento da história iminente. Já lemos sinopses e promessas de surpresa. Já vimos um ou outro trailer. Tento, nos dias que correm, saber o menos possível sobre o que se encontra atrás dessa porta. Nem sempre é fácil. O vazamento é quase inevitável.

Aqui, já suspeitamos dela antes de se iniciarem os créditos. De Sandra (no filme, Voyter, na realidade, Hüller). Do início ao fim, já suspeitamos dela. Talvez porque nunca exista uma satisfatória absolvição da sua pessoa e, por diversas vezes até, Triet lhe vá lançando uma ou outra cilada para nos deixar permanecer na dúvida.

Anatomie d’une Chute poderia chamar-se, em alternativa, Autopsie d’une Amour. Essa autópsia não é levada a efeito numa sala habitualmente usada para esse fim, mas em pleno tribunal, onde os interrogatórios dissecam as causas que levaram ao final de uma relação amorosa, não por divergências (ou será que sim?), mas por decesso de um elemento. Há uma morte que tem de ser explicada. Mas há igualmente uma ligação a dois a ser examinada pelo bisturi da justiça e das leis da física.

Anatomie d’une Chute, tivesse sido outra a opção, poderia ter-se intitulado Mémoires d’un Garçon. Mas será que as recordações de Daniel (Machado-Graner), sujeitas a escrutínio e eleitas como propulsoras de uma decisão final, se afiguram suficientemente fortes e nos bastam, a nós, juízes deste lado, para que alcancemos uma conclusão firme e sustentada?

Entre outros prémios, Hüller venceu os César, bem como os European Film Awards para Melhor Actriz. E, refira-se, com imenso mérito. Estará ela também a dissimular, em jeito de mise en abyme, no tribunal de Saintes? 

Quanto a mim – e perdoem-me esta insistência quanto ao título da película – estou em crer que o ideal seria algo como Les Chiens Connaissent Les Hommes. 

E Snoop (o talentoso quase humano Messi) é expressivo até ao desenlace.

Sofia de Melo Esteves

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