𝐴𝑚𝑒́𝑟𝑖𝑐𝑎 𝐿𝑎𝑡𝑖𝑛𝑎, o mais recente filme dos irmãos D´Innocenzo – vencedores do Urso de Prata, em 2020, com 𝐵𝑎𝑑 𝑇𝑎𝑙𝑒𝑠 – faz parte da secção Panorama da 15ª Festa do Cinema Italiano, e é um daqueles filmes que nos permite afirmar com toda a certeza que carrega em si um enorme potencial, no entanto fica a meio caminho para algo maior.
Pelo título, nunca advinharíamos que o filme se passa na verdade num subúrbio a quarenta quilómetros de Roma, de nome Latina. Neste cenário é-nos dado a conhecer Massimo (Elio Germano), um dentista que, juntamente com a sua mulher e filhas, demasiadamente perfeitas, construiu uma vida luxuosa nesta pequena e pacata localidade, brevemente apresentada numa cena introdutória do filme a partir de uma viagem de carro.
Massimo, homem de poucas palavras, vive atormentado com uma relação mal resolvida com o pai, da qual não nos são dadas grandes informações, exceto que este lhe pede frequentemente dinheiro. É admirado no trabalho, amado em casa, parece levar uma vida quase perfeita, no entanto todos lhe parecem distantes. O personagem mantém apenas uma relação próxima, à qual talvez se possa chamar amizade, com Simone (Maurizio Lastrico), uma espécie de vigarista local, que parece estar lá unicamente para personificar a crise de meia-idade da qual Massimo sofre. Tendo esta a sua expressão, para além desta amizade, na tendência do protagonista em beber uns copos a mais.
Na manhã seguinte a uma saída à noite com Simone, Massimo, dirige-se à sua cave, e, no meio de centenas de sacos de plástico, encontra uma jovem amarrada e amordaçada. A partir daqui, e em vez de soltar a jovem, o protagonista inicia uma espécie de investigação, suspeitando de todas as poucas pessoas que o rodeiam. Tudo isto acontece nos momentos iniciais do filme.
Ficamos com a sensação que os irmãos se apressaram para chegar a este desfecho. Somos conduzidos por estes repentinos acontecimentos para um dos cantos da sala onde a jovem se encontra aprisionada, e daqui para a frente não há muito mais caminho para este filme. Torna-se bastante previsível qual é o seu desfecho.
A partir deste ponto, entendemos que o filme pretende ultrapassar rapidamente as questões relacionadas com a trama, entrando num limbo entre a realidade e a imaginação. Somos convidados a entrar no paranóico mundo de Massimo, uma luta interior que encontra expressão através da fotografia. Não haveria nada de errado nisso, e é até aqui que reside o potencial deste filme, no entanto é também o seu calcanhar de aquiles.
Para dar um exemplo, há uma cena no chuveiro em que a água corre, não se entende exatamente de onde, e todo o plano é iluminado por luzes de cores variadas que nada têm a ver com o ambiente em que o personagem se encontra. São situações tão abstratas que não encontram lugar no real. Tendo em conta – e isto é importante – que toda a ação é conduzida do ponto de vista de Massimo, só se poderia supor que estamos a experienciar um momento de loucura do protagonista, ou então que são puro exibicionismo técnico, que pouco acrescenta. Ambas as opções são negativas, pois a primeira destrói completamente o mistério do que é ou não real. A segunda cria sem dúvida um ligeiro momento prazeroso, no qual é possível apreciar aquele monumental plano, mas no fim acaba por ter o mesmo desfecho que a primeira.
Sergei Paradjanov, famoso cineasta arménio, ficará para sempre na história do cinema pela criação dos mais maravilhosos planos, mas esses planos ilustravam sempre narrativas simples, pois estas pouco importam numa obra formalista por excelência, recheada de simbologia, na qual o limbo entre o real e o imaginário não tem importância. Não é o caso de America Latina.
Tratando-se de um thriller psicológico, é importante que o que nos é mostrado enquanto realidade do filme se confunda – na perspectiva do espectador – com o que é imaginário, mas nunca dissolvendo essa fronteira. A confusão do espectador implica uma ocultação de significado, não um total anulamento do mesmo. A existência de uma alucinação exige a existência de uma realidade. America Latina não dissolve essa fronteira, é verdade, mas também não permite que as duas partes se misturem de forma a criar confusão. São dois mundos paralelos. Os irmãos querem que o seu formalismo se confunda com a realidade, e isso é difícil, pois, ao contrário de Paradjanov, esses dois pólos aqui importam.
Não se pretende com isto concluir que não se deve recorrer a planos com preocupações mais formais, em filmes com narrativas que aspiram à complexidade. No final de Zabriskie Point, de Antonioni, por exemplo, tem lugar a famosa cena da explosão. Esta faz todo o sentido no contexto do filme, permitindo uma experiência estética sem necessidade de nos deslocarmos. Essa cena é assumida. America Latina não pode assumir cenas puramente estéticas e fora da realidade, porque vive da tensão realidade-imaginação.
Quanto à primeira palavra do título, não fica absolutamente claro o que significa, resta-nos apenas supor uma resposta como tantas outras coisas neste filme, que acaba por resultar no fundo num estudo.
[Foto em destaque: © Vision Distribution]