Desconhecidos não foi distribuído comercialmente nas salas de cinema portuguesas, sendo lançado diretamente na plataforma Disney Plus. Dessa forma, a sessão especial do filme na última edição do Indielisboa foi a única oportunidade dos espectadores locais de assistirem ao filme no grande ecrã. Antes de me debruçar sobre a obra, destaco que revê-la na referida ocasião foi um testamento da força da sala escura para a experiência cinematográfica.
Adam (Andrew Scott) é um homem gay solitário que perdeu os pais (Jamie Bell e Claire Foy) ainda na infância. Ele vive em Londres num prédio praticamente vazio, apesar de fazer menções a um trabalho de roteirista e a amigos que foram embora da cidade. Suas conexões com o mundo exterior são esparsas até a aparição do belo e misterioso vizinho Harry (Paul Mescal). À medida em que eles se aproximam, Adam passa a visitar a casa onde cresceu e a interagir com os fantasmas dos pais, que permanecem com a idade que tinham quando morreram.
Com uma fotografia estreita que diminui a profundidade de campo e aliena ainda mais o protagonista, a imagem usa cores frias e quentes para contrastar o natural com o sobrenatural. As escolhas de trilha sonora, que vão do instrumental com toques de ASMR até hits da música britânica dos anos oitenta, fortalecem essa diferenciação. Em seu estado inabalado de torpor, não é por acaso que Adam encontra mais alento na companhia dos mortos – ainda que eles lhe suscitem ressentimento – do que em pessoas de carne e osso.
Não obstante os códigos do realismo mágico e da aproximação com tema da morte – o filme é livremente baseado em uma história de fantasmas japonesa – o foco do realizador britânico Andrew Haigh é menos o cinema de género, e mais um relato testemunhal da solidão gay. Como tantos indivíduos homoafetivos, Adam é vítima da repressão oitentista do pós-HIV, confessando sua associação entre sexo e morte para Harry em uma cena pré-coito.
É com ares de ironia dramática que o grande senão de Desconhecidos seja a dificuldade de vislumbrar uma experiência queer para Adam que transcenda essa mesma solidão. Ainda que a dinâmica do protagonista com seus pais constitua os melhores momentos do filme – mérito também das escolhas certeiras de elenco – há uma certa condescendência na maneira como a aceitação parental condiciona a existência do personagem LBGT.
Mesmo sem atingir o grau de excelência de outros trabalhos de Haigh, mais contundentes na ressignificação de valores da vivência gay, a longa-metragem se destaca por seu retrato sincero do luto, não apenas pelo falecimento, mas também pelas idealizações que carregamos entre pais e filhos. Conforme pontuado no terço final, através do diálogo: “Eu te amo. De alguma forma, ainda mais agora que eu te conheço.”
Alexandre Bispo