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Joker: Delírio a dois – Show de um homem só

Em tradução literal, a palavra francesa “folie” significa loucura/ insanidade, e não demora para que Joker: Delírio a Dois (Folie à Deux, no original) faça jus ao seu título. O filme — em um de seus melhores momentos, vale destacar — inicia-se com uma animação no estilo Looney Tunes, onde o protagonista luta contra sua própria sombra, responsável por crimes hediondos. Com menos de dez minutos de projeção, o cenário é montado para a duplicidade que, para a provável decepção dos fãs de Lady Gaga, constitui o verdadeiro cerne da narrativa.

Na teoria, o primeiro Joker (2019) explorava o dilema entre natureza e cultura, uma questão fundamental no estudo da maldade humana. Contudo, quando o fracassado Fleck assume o polêmico personagem, ele já havia sido alvo de tanta violência e escrutínio que o espectador é quase compelido a justificar sua explosão de fúria. Assim, nada seria mais apropriado para a continuação do que colocar seus atos anteriores em julgamento, num tribunal.

Joker: Delírio a Dois, de Todd Phillips © Direitos Reservados

Após uma infame aparição pública e uma série de assassinatos que o elevaram ao status de ícone, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) enfrenta os horrores da prisão enquanto se prepara para o julgamento que definirá seu destino. Sua rotina é interrompida pela enigmática Lee (Lady Gaga), uma colega de canto que o incentiva a abandonar a medicação e a aceitar plenamente sua identidade como Joker, embarcando ao seu lado em uma fantasia musical.

No que diz respeito ao cinema de gênero, é interessante observar como o chamado “filme de tribunal” parece servir mais à narrativa do que a sua incursão no musical. Apesar de plasticamente belos — o refinamento visual e estético da produção original beneficia do aumento de orçamento —, nenhum dos números se torna realmente memorável. A contraposição irônica entre canções de amor e felicidade e imagens de violência se esgota rapidamente, e até mesmo a performance de Gaga se aproxima mais de suas colaborações com Tony Bennett do que da excentricidade de Arlequina ou da persona pop que consolidou seu status de estrela.

O fato é que a personagem mal encontra espaço para se desenvolver, existindo quase exclusivamente em função de Fleck e, durante grande parte da projeção, permanece como uma espectadora de suas ações. É difícil determinar se o componente sexual associado à Arlequina é intencionalmente mal explorado — afinal, o protagonista é um celibatário involuntário — ou se isso resulta da relutância de Phoenix em dividir a cena, transformando o folie à deux em um espetáculo de um homem só.

Joker: Delírio a Dois, de Todd Phillips © Direitos Reservados

Depois de ter assombrado o mundo com sua interpretação no original, o ator retorna na sequência como alguém que já jogou seus trunfos na mesa. A maneira como Phillips o filma — destacando sua magreza, o andar desajeitado e o olhar distante — parece evocar o clichê do sacrifício do intérprete. Considerando uma carreira repleta de tipos perturbados, como em O Mestre (2012), Beau Tem Medo (2023) e Você Nunca Esteve Realmente Aqui (2017), permanece a dúvida se Phoenix conseguirá se superar e até mesmo se Joker é o personagem adequado para isso.

Em uma Gotham City que gira em torno de Fleck — onde nenhum outro assunto é debatido nos noticiários, diferentemente do original, que utilizava a greve dos lixeiros para construir sua atmosfera —, o fascínio por sua figura permanece enraizado em uma oposição nebulosa à ordem estabelecida. Com um discurso mais claro do que o de seu antecessor, Philips ao menos tem o mérito de explorar o ressentimento de uma extrema-direita em ascensão, sem deixar de confidenciar suas verdadeiras implicações ao espectador.

* O presente texto encontra-se escrito em português do Brasil.

Alexandre Bispo

[Foto em destaque: Joker: Delírio a Dois, de Todd Phillips © Direitos Reservados]

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