Na monarquia dinamarquesa do século XVIII, um capitão de exército aposentado aceita o desafio de cultivar plantio em um solo considerado infértil em troca de um título de nobreza que melhore sua empobrecida condição social. Na companhia de um padre, uma criança romena e um casal de refugiados, ele enfrenta a escassez do terreno até colher frutos que atraem a atenção de um maligno senhor de terras, que inicia uma violenta disputa pelo território.
A mais recente longa-metragem do realizador dinamarquês Nikolaj Arcel fez sua estreia no último Festival de Veneza com o título Bastarden (bastardo, em tradução literal). A opção pelo nome A Terra Prometida, no mercado internacional, exemplifica bem o equilíbrio do filme entre uma narrativa contemporânea encabeçada por um anti-herói e uma abordagem clássica, que tece paralelos com os filmes de estúdio do cineasta britânico David Lean.
A adequação do roteiro ao modelo clássico narrativo se faz notar logo nos dez minutos iniciais, obedecendo a regra do guionista e professor norte-americano Syd Field. Os códigos do cinema de gênero, no caso o western, adereçam o resto: refugiados e trabalhadores braçais se opõem a nobres gananciosos que se reúnem em salas esfumaçadas, colheitas perdidas rapidamente sucedem períodos de fartura e, por fim, protagonista e seu rival disputam o coração de uma mesma mulher.
Com um orçamento alto para os padrões dinamarqueses, mas módico no contexto norte-americano, A Terra Prometida conta com sequências de ação filmadas em menor escala (mesmo as batalhas têm poucos corpos no plano), mas com comparável eficácia. A nível de estilo, é curioso como o realizador mantém seu protagonista na penumbra, ressaltando seus dilemas morais e a miséria de sua condição de vida e, por outro lado, banha o vilão da luminosidade típica das dependências da realeza.
Ainda que as regras de masculinidade dos westerns clássicos não estejam reproduzidas de forma inconsciente no filme (salvo por uma cena gratuita de violência contra uma mulher), a caracterização histérica do senhor de terras (defendido com humor por Simon Bennebjerg) não se mostra a altura do protagonista anti-herói. Após uma série de papéis em Hollywood que flertaram com o typecasting do vilão estrangeiro, Madds Mikkelsen volta a uma produção dinamarquesa irradiando carisma em um personagem que confronta diretamente a simpatia do público.
A exploração de um território familiar – que certos críticos trataram como falta de originalidade – também pode ser lida como o grande trunfo do filme, como se Arcel entendesse que o bom manejo de elementos conhecidos é tão ou mais relevante que a proposta de inovações. Apesar de sugerir uma nova moral a respeito da terra (sobre a qual é difícil elaborar sem incorrer em spoilers), Arcel conclui sua exploração do cinema de gênero apontando para um solo ainda fértil.
*O presente texto encontra-se escrito em português do Brasil.
Alexandre Bispo
[Foto em destaque: A Terra Prometida, de Nikolaj Arcel © Direitos Reservados]