to you(th) (2022)
de Mira Merheb
“Se recebesses um bilhete de avião para qualquer outro país e o voo estivesse marcado para amanhã, fazias as malas e partias imediatamente para o aeroporto?” É esta pergunta proferida pela realizadora ao seu parceiro que abre to you(th) e desencadeia um diálogo aberto e honesto sobre o presente e o futuro. Para qualquer outra pessoa, seria uma proposta simples. Para eles, pode significar a promessa de um amanhã. Alain e Mira, libaneses, refletem sobre o medo e a instabilidade que regem os seus dias, questionando-se como será possível dizer adeus às pessoas e aos lugares que lhes são caros ao mesmo tempo que acolhem uma nova realidade, que certamente também será dura. A curta-metragem forma-se, assim, como uma despedida cautelosa às caras e aos cenários que a cineasta terá de eventualmente deixar para trás, de mão dada àquele que espera levar com ela. São memórias enlaçadas belissimamente, compostas de momentos de tom agridoce, sobre os quais a incerteza paira.
Margarida Nabais
Mesa Posta (2022)
de Beatriz de Sousa
Um “documentário” que faz uso de um dispositivo diferente: uma narração que se acompanha de elementos visuais que ajudam na absorção da mesma. A narradora é uma contadora de histórias e nós somos os seus ouvintes. Contudo, o filme poderia ser outras coisas: uma performance, na qual poderíamos ter esta “contadora de histórias” ao vivo, ou podíamos, até mesmo, vê-la em loop numa instalação de um museu. É, para além da história que conta, um questionamento sobre a arte e as formas de fazer arte.
Mesa Posta conta-nos, através de gestos mundanos e simples, uma história de extrema violência entre dois elementos de um casal. Uma história de desamor, de preconceito e de machismo. Uma reflexão sobre o passado, o presente e o futuro, sobre religião e opressão, onde a mesa serve de base a isto tudo, como numa verdadeira casa de família. O visual segue o oral, e o oral apoia-se no visual. E cenas como uma violação são visualmente descritas como um esmagar de uma manga.
Inês Moreira
Wetsuit (2022)
de João Salgado
Wetsuit é um filme capaz, que não só apresenta uma grande capacidade técnica, mas também um grande, ainda que por vezes desagradável, domínio narrativo. A adolescência passa naturalmente por cometer erros, por hesitações e inconsequências, o que acaba por vezes a saber a pouco quando filtrada por uma estética que lhe é tão oposta. A rudeza, infantilidade e, até violência, é-nos ainda assim transmitida, ainda que de outros modos, principalmente através de alguns mecanismos narrativos – que se revelam em momentos como o do “pastel-de-rata”, ou do grupo de rapazes a urinar para cima do fato do rapaz, ou, no final do filme, com o rapaz a desaparecer em direção ao mar de prancha na mão. O filme estabelece que algo de mau está ou vai acontecer, no entanto, isso não é suficiente, o incómodo não reside na insinuação, reside no confronto. Com efeito, é nestes três momentos de acção-reação que o filme se foca – três histórias, três rapazes, três fases diferentes da adolescência, três respostas ao confronto. A identidade fílmica gira em torno dessa adolescência surfista, do wetsuit (embora isso sirva mais como cenário/ambiente do que como motor da história, ainda que também o seja, quer isto dizer que o filme funcionaria noutro contexto). O mar joga, obviamente, um grande papel na curta, não só como lugar paisagístico, mas sobretudo como lugar afetivo – uma permanência e uma imanência. Um caos organizado que medeia sempre um antes e um depois, que primeiro separa para depois voltar a juntar.
Diogo Albarran
Ciervo (2020)
de Pilar Garcia-Fernandezsesma
Ciervo revela-se como uma obra sensível e profundamente tocante. A animação de Pilar Garcia-Fernandezsesma segue a metamorfose de uma rapariga num universo familiar que oscila entre a sensibilidade do lado materno e a hostilidade da figura paterna. Sem recorrer a nenhum diálogo, mas simplesmente retratando o quotidiano de uma família através dos seus gestos e acções, contando com um desenho de som vital para a envolvência do filme, percebemos, numa ligação alegórica entre a criança e os cervos, o ambiente que a rodeia e molda a sua sensibilidade.
Ricardo Fangueiro
Dogs do not eat grass (2022)
de Júlia Bagossy
Uma sessão de terapia com “O Beijo” de Gustav Klimt como pano de fundo parece-nos à partida sugestivo. Torna-se ainda mais quando, a meio, o psicoterapeuta enumera uma série de “lésbicas famosas”, uma estratégia no mínimo caricata no que se revela uma senda para a autoaceitação. Quando o barulho do pedal da bicicleta é sinónimo de mágoa e pede-se a Deus coragem para enfrentar um olhar fulminante, estamos perante ao que parece tratar-se de uma história de (des)amor, em que Berci, o cão, revela-se um fiel escudeiro.
Kenia Pollheim Nunes
No Fim do Mundo (2021)
de Abraham Escobedo-Salas
É entre ruína e escombros que Cecílio traça a sua rota diária, em biscates como vender carcaças de eletrodomésticos abandonados. “A droga é o meu trabalho”, diz a certa altura do documentário, e é aí que percebemos que de nada vale o flyer sobre “ultrapassar os vícios” estrategicamente posicionado no pequeno “altar” onde Cecílio prepara o próximo consumo. O olhar penetrante do homem que mira o Largo de São Domingos em Lisboa e corre para apanhar o comboio é acompanhado de chamadas frustradas que caem, do outro lado, chegam apenas ao Voicemail.
Vencedor do 1.º lugar no Prémio de Melhor Curta-Metragem de Documentário nos Sophia Estudante, No Fim do Mundo pinta uma paisagem de entulho e deserção de uma periferia relegada ao esquecimento que poderia pertencer a um filme de Pedro Costa. Nela, narra-se sem floreados a vida de um homem que não vê nostalgia nas fotografias de um tempo passado, mantendo-se fiel à rotina de um vício.
Kenia Pollheim Nunes
Parceria com o CINENOVA – Festival de Cinema Interuniversitário Português
[Foto em destaque: Mesa Posta (2022), de Beatriz de Sousa © Direitos Reservados]