Há um profeta nas Olaias, tenham cuidado! (2021)
de Lucas Camargo de Barros
Portugal, 1911. A implantação da República traz consigo a liberdade religiosa e a aceitação de diversidade de credos. Na mata, A Brasileira traz de volta os mortos — quando não consegue ressuscitar uma criança, apaixona-se por sua mãe e faz disso sua missão. Um filme mudo, salvo alguns murmúrios e lamentos que lhe oferecem uma aura assombrada enfatizada pelo azul monocromático, Há Um Profeta Nas Olaias, tenham cuidado! é um filme de amor e de mortos que junta tradicional e moderno num passado quimérico.
Kenia Pollheim Nunes
Os Tempos Conturbados (2021)
de Carlos Alberto Tavares Pedro
Censura, medo e uma nova realidade. Através das palavras de Filomena Lopes, regressamos organicamente a uma Angola recém-independente e a todo o seu poder monumental, capacidade destrutiva e esperança transformativa. Ritmicamente, um conjunto de fotografias agem enquanto testemunhos de um passado vivido, harmonizando o som da voz com a sua potência visual. Assim, Os Tempos Conturbados percorre esta experiência coletiva ao salientar uma das várias histórias pessoais que dela fizeram parte. Dando uma cara aos eventos e aos sentimentos, Carlos Pedro abre um baú geracional de desalento e frustrações, criando um ambiente para, como Filomena espera, os seus espectadores “saberem o que é que é Angola! Mas as histórias verdadeiras.”
Margarida Nabais
Isthmus, a Narrowing of Land (2022)
de Mara Chavez
“Somos os frutos do vento – e fomos semeados, regados e cultivados pela sua mestria.”
Uma História Natural do Vento, Lyall Watson, p. 18
Em Isthmus, a Narrowing of Land, a câmara aparentemente móvel de Mara Chavez, obedece a um único princípio de movimento – o vento. Amorfo, invisível, o vento é a mais vital das presenças para as populações indígenas Zapotec e Ikoots, que habitam Isthmus, e sem ele não podem sobreviver. Sob a ameaça da exploração capitalista do seu território, que invade o horizonte da imagem com eólicas, alegadamente motivada pela procura de energias sustentáveis, a luta destes povos tem no mar e na terra, fontes essenciais da sua subsistência, os seus maiores aliados. A poética visual, aliada à experimentação sonora, deixa ecoar no filme, como num sussurro de um segredo que o vento anuncia, a sabedoria ancestral indígena sob o risco do seu desaparecimento junto com o desaparecimento da terra que dá solo ao seu povo.
Cátia Rodrigues
Love, Death and Everything in Between (2022)
de Soham Kundu
O luto é das mais dolorosas e marcantes experiências humanas, um movimento simultaneamente consciente e inconsciente do confronto com a finitude, sendo por isso, uma extensão, ou projecção, da nossa própria morte. Assim, a morte de um filho é sempre prematura, sendo esse luto, o mais inaceitável de todos. A partilha do luto não o facilita, porventura ainda o complica, pois nem todos lutamos do mesmo modo. Esta batalha, antes de ser partilhada, é individual — este é o movimento tripartido do filme, a confluência de três lutos distintos: a mãe, o pai e a namorada. Cada um, primeiro, de seu modo individualizado, atende às suas próprias feridas, sofre a sós, para apenas depois sofrer em conjunto. Nessa reunião da dor e da ausência, encontramos a renovada vontade da presença, por fim o gesto de paz e silêncio possíveis.
Diogo Albarran
Lugar Nenhum (2021)
de Pedro Gonçalves Ribeiro
A voz silenciosa que paira sob a aura azul magnética de Nowhere conduz-nos num solilóquio partilhado, atingido por uma avalanche de perguntas que se instalam num deserto de respostas. Perante a colouer des notre rêves, aqui coletivizando o tal quadro de Miró, há um espaço infinito de introspecção, de liberdade para questionar a própria liberdade e a melancolia que esta inerentemente acarreta dentro do espaço queer. Cada passo dado em frente aparenta impulsionar um novo obstáculo, estendendo o caminho a percorrer num túnel solitário.
Assim, meditando sobre o estado da identidade dos homens gay no novo milénio, Pedro Gonçalves Ribeiro desvenda com este filme-ensaio as contradições e ambiguidades que vêm com ela, a sua representação nos media, a prática do cruising e até uma simples música. É a evocação de um apelo extenuado, mas intimorato, pela aceitação e a manifestação da diferença. Tudo, evidentemente, ao som da eterna questão de Cher – Do you believe in life after love?
Margarida Nabais
Parceria com o CINENOVA – Festival de Cinema Interuniversitário Português
[Foto em destaque: Lugar Nenhum (2021), de Pedro Gonçalves Ribeiro © Direitos Reservados]