Babylon, do realizador de La La Land e Whiplash, abre com uma cena excêntrica na qual um elefante enorme defeca para o ecrã, parecendo estar a defecar no próprio espectador. Esta cena resume bem a essência do filme, que parece concentrar-se mais nos fluídos corporais, nos golden showers, nas quantidades extraordinárias de droga e no sexo explícito, do que em recriar a história do cinema. A cena seguinte, apesar de igualmente excêntrica, teria sido uma forma muito mais elegante de iniciar o filme: uma festa extravagante na casa de um dos magnatas do cinema mudo, onde as personagens principais parecem todas cruzar-se e a narrativa finalmente desencadear.
O filme conta a história da Hollywood louca e caótica dos anos 20, era do cinema mudo, e da transição para o cinema sonoro dos códigos e das regras morais. Este fascínio com Hollywood e com o som são temas frequentes na filmografia de Damien Chazelle, o jovem realizador americano que tem provado ser uma das grandes apostas do cinema contemporâneo. Aqui, Chazelle parece ter sonhado um pouco alto demais. Num filme que chega quase aos 190 minutos (e como este tempo passa lentamente aos olhos do espectador). Existem demasiadas cenas e preocupações que deveriam ter sido abdicadas na montagem, que acaba por parecer estranha e oscilar em termos de ritmo. O desejo de Chazelle de constantemente querer atingir a perfeição, desta vez, parece tê-lo traído.
No centro do filme estão as personagens de Diego Calva (Manny Torres), um mexicano que diz fazer tudo o que for preciso para estar em contacto com um set de filmagens e que poderá relembrar o produtor executivo Eddie Mannix; Margot Robbie (Nellie LaRoy), uma aspirante atriz com inspirações em Clara Bow; e Brad Pitt (Jack Conrad), um famoso ator do cinema mudo, que é inspirado numa das suas grandes estrelas: John Gilbert. Para além destes, mas com papéis ligeiramente mais secundários, temos Jovan Adepo (Sidney Palmer), um músico de jazz que faz sucesso na transição para o cinema sonoro, que poderá ser inspirado em Curtis Mosby; e Li Jun Li (Lady Fay Zhu), uma cantora/atriz falhada que ganha a vida a legendar filmes mudos, e que parece beber da história da primeira atriz chinesa a aparecer em Hollywood: Anna May Wong. O filme tem ainda espaço (ou força este espaço) para um quase fantasmagórico Tobey Maguire (James Mckay); um Spike Jonze no papel do realizador Otto Von Strauss, uma referência a Erich Von Stroheim; Jean Smart, como a crítica Elinor St.John; e ainda, uma das poucas personagens que não é ficcionalizada: Max Minghella como uma das figuras mais influentes do cinema, Irving Thalberg. O filme dispersa quando deambula pelas histórias de todos estes personagens que ocupam demasiado tempo do ecrã e que, ao mesmo tempo, não parecem ter tempo suficiente para uma construção sólida. É muito tempo com muito a acontecer e pouco tempo para explorar cada coisa, o que resulta num conjunto de muito boas cenas que acabam por não funcionar como um todo. Destaque para a cena da cobra, na qual Lady Fay Zhu mostra ser a heroína, e para a cena na qual Nellie LaRoy está, pela primeira vez, num set de filmagens com gravação de som: uma cena demorada, mas que parece levar o tempo que é preciso para espectador se sentir dentro dela, ou seja, por vezes o tempo do filme é exatamente o tempo certo, mas ainda assim algo parece não funcionar.
Apesar das suas grandes interpretações (Chazelle junta um elenco de luxo) e de estas cenas exímias que constituem o filme, este não funciona e não se torna numa grande obra prima, como seria de esperar do realizador norte-americano. Apesar destes problemas e de uma montagem pouco meticulosa, Chazelle não deixa de nos trazer uma a banda sonora, uma fotografia, cenários e figurinos que funcionam de forma bastante equilibrada neste seu Babylon, nem tudo é criticável.
O tema do Código de Produção do Cinema, conjunto de normas morais aplicadas aos filmes lançados nos Estados Unidos entre 1930 e 1968 pelos grandes estúdios cinematográficos, é um dos pontos fulcrais desta história que pretende trazer de volta a nostalgia sobre uma Hollywood da Golden Era. Aquelas festas excêntricas, os bacanais fabulosos, e o consumo excessivo de drogas já não cumpriam com as leis deste novo cinema: o cinema sonoro. Contudo, quase no final do filme percebemos a hipocrisia desta nova era, que era tão corrompida quanto a anterior, e que apenas sabia melhor encobrir-se. É uma era de aparências que substitui a era muda das extravagâncias.
Apesar de todas as críticas que tem sofrido, Babylon é bem-sucedido na forma como se apresenta enquanto carta de amor ao cinema, e o culminar desse amor está na cena final (que evoca filmes como Cinema Paradiso ou 2001: A Space Odissey): uma montagem de vários filmes da história do cinema que passa no ecrã diante de Manny Torres. Chazelle é um cinéfilo e isso é nítido nos seus filmes anteriores, mas ainda mais neste. A impressão é que Babylon nos faz sentir bem por termos comprado um bilhete e por estarmos sentados na sala de cinema, dado que consegue trazer de volta a nostalgia do cinema e prova que há filmes que devem ser vistos numa sala que faça jus à sua grandiosidade.
Inês Moreira
[Foto em destaque: Babylon, de Damien Chazelle – © Paramount Pictures, Marc Platt Productions, Organism Pictures e Wild Chickens Productions]