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74ª Berlinale (2024) Berlinale Festivais de Cinema

Cidade; Campo: Ponto e vírgula

A escolha de Cidade; Campo (2024) como título para o novo filme da realizadora brasileira Juliana Rojas é autoexplicativa. A longa-metragem, que acaba de fazer sua estreia na Berlinale (seção Encounters), trabalha as arenas em duas linhas narrativas distintas, ligadas pelo tema da fragilidade humana frente aos mistérios do mundo natural. De um lado, uma faxineira (Fernanda Viana) tenta recomeçar a vida na cidade de São Paulo após um deslizamento rifar sua vida anterior do mapa. Já do outro, um casal interracial de lésbicas (Mirella França e Bruna Linzmeyer) muda-se para o interior à procura de uma vida afastada das tensões da cidade grande.

De forma análoga ao que acontece no trabalho anterior da diretora, As boas maneiras (2017) – realizado em parceria com o cineasta Marco Dutra – o movimento de separar o espaço-tempo de duas linhas narrativas gera uma mudança de gramática da primeira para a segunda metade. De início, acompanhamos uma mulher madura reconstruindo a vida e redescobrindo a ternura por ela pouco a pouco. Na sequência, testemunhamos um casal se perdendo e reencontrando, em sentido literal e figurado, em um campo menos acolhedor do que parecia a princípio. 

No segmento da cidade, a cineasta encontra, em meio a impessoalidade da metrópole, uma forma própria de abordar temas espinhosos (catástrofes naturais, uberização do trabalho, violência sexual) sem ser panfletária ou desconsiderar a subjetividade dos personagens. A interlocução da protagonista com um personagem infanto-juvenil (seu sobrinho interpretado por Kalleb Viera) contrapõe o lúdico e o ficcional com a dureza da paisagem urbana.

Quando um temporal afeta a energia da casa onde os personagens vivem, há espaço para um teatro de sombras. Quando o jovem se apavora com um inseto no quintal, a tia vê a chance para contar-lhe uma história de terror. A aura mágica se estende para o mundo adulto contemplado pelo ponto de vista juvenil, algo particularmente presente na cena em que tia e sobrinho espiam a rotina dos vizinhos, a tal espuma dos dias, na varanda.

Fernanda Viana em Cidade; Campo de Juliana Rojas @Cris Lyra / Dezenove Som e Imagens

A relação com o prosaico que constitui o trunfo da primeira metade do filme se modifica de forma significativa na segunda. Crítico e ao mesmo tempo consciente do uso de códigos do cinema de horror (a cabana na floresta, a câmera subjetiva do algoz, cenas de sexo pregressas a uma grande ameaça), o seguimento encontra mais interesse na desconstrução do sonho burguês da casa no campo do que na discussão proposta sobre a ancestralidade da personagem.

Apesar de não suscitar o mesmo nível de interesse, a segunda metade mantém o espectador sob tensão. O desempenho sólido das atrizes, que trabalham bem a transição da faísca erótica e romântica para o pesadelo de olhos abertos, dá o tom das diferentes percepções das personagens sobre seu pertencimento ou não pertencimento naquela ordem natural. Mas ainda que Rojas não esteja interessada em escolhas fáceis, fica a sensação de o seguimento da cidade já tinha suficiente a dizer.

Bruna Linzmeyer e Mirella França em Cidade; Campo de Juliana Rojas @Alice Drummond/ Dezenove Som e Imagens

*O presente texto encontra-se escrito em português do Brasil.

Alexandre Bispo

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