Ray Yeung regressa ao Festival Internacional de Cinema de Berlim com All Shall Be Well (Hong Kong, 2024). Quatro anos depois de ter trazido Suk Suk (Twilight’s Kiss, 2019) à Alemanha para a sua estreia europeia, Yeung leva para casa o terceiro lugar do Prémio do Público na secção Panorama.
Temporalmente espaçado por telas negras, All Shall Be Well trabalha com franqueza o processo do luto súbito, nas suas condições emocional e burocrática, com a morte inesperada de Pat (Lin Lin Li), companheira de vida de Angie (Patra Au, que desempenha um papel extraordinariamente complexo na sua simplicidade). Coloca em causa os princípios legislativos da China para relações homossexuais monogâmicas – não oficializadas pelo estado – e questiona as relações familiares e os conflitos que derivam da morte de um ente querido.
Os primeiros vinte minutos estabelecem o quadro do filme: Angie (68 anos) e Pat (69 anos) são um casal lésbico, junto há mais de trinta anos. Fazem a vida juntas, partilhando momentos com a família de Pat. Angie é reconhecida como um membro extra da família, tendo relações cordiais e próximas com os cunhados e os sobrinhos. A injustiça surge quando Pat morre inesperadamente. Para além do luto de Angie, o egoísmo ocupa o palco quando o irmão de Pat é nomeado executor da sua herança. As motivações das várias personagens são reveladas neste momento de tensão. O relacionamento das protagonistas é posto em causa e Angie fica à beira do despejo da casa onde sempre viveu.
Yeung envolve o espectador na narrativa com facilidade. É, desde logo, conseguida uma empatia para com as personagens principais, que se intensifica quando uma delas morre. O luto é tratado com cuidado. O título do filme, All Shall Be Well, vem conotado com alguma ironia: em nenhum momento do filme, a partir da morte de Pat, o espectador antecipa que a narrativa acabe bem.
A segunda metade do filme tem como tema a luta pela herança, uma realidade recorrente na sociedade moderna, que demonstra a verdadeira essência do ser humano. All Shall Be Well obriga a uma reflexão sobre o reconhecimento de parceiros de longa data, em países cujo casamento homossexual não é autorizado, e desafia as nuances do egoísmo e do altruísmo. Testa os limites da humanidade e coloca em confronto justiça e legislação, religião e família.
All Shall Be Well enquadra-se perfeitamente na categoria de Panorama da Berlinale, nas suas dimensões queer, feministas e políticas. Abordando um tema trivial como é o caso da divisão de heranças, Ray Yeung oferece-nos uma perspetiva nova e tocante que promete emocionar os espectadores, completamente merecedor da menção honrosa que teve na entrega de prémios.
Rita Pádua