Seguindo o fluxo de filmes sobre jornadas espaciais, o novo trabalho de Johan Renck, Spaceman (2024), traz melancolia e reflexões sobre a complexidade das relações pessoais na vastidão inabitada do universo. Exibido na secção Berlinale Special, temos Adam Sandler, em mais um distanciamento das suas habituais comédias, interpretando Jakub Procházka, um astronauta que vive uma crise no casamento durante uma missão no espaço há 189 dias.
Logo nos primeiros minutos, Renck apresenta-nos a ideia central de Spaceman, “the loneliest man in the world”, como refere uma miúda quando fala sobre Procházka, que deixou a sua esposa, Lenka (Carey Mulligan), na terra, enquanto esta espera o filho dele. Não há espaço para solitude aqui, Jakub não consegue aproveitar a sua própria companhia. Existe apenas solidão, representada não somente nos momentos em que ele flutua sozinho pela nave, mas também quando ingere mais do que a dose recomendada do seu remédio para dormir. O ponto de virada ocorre com o aparecimento de Hanus (voz de Paul Dano), uma aranha que toma seu corpo e torna-se a sua companhia. Há uma certa ambiguidade se, na verdade, foi a imaginação de Jakub que deu forma ao aracnídeo.
De início, estranhamos a presença do aracnídeo e temos a sensação que o filme seguirá um rumo aterrador. Entretanto, Hanus, um claro espelhamento de Hal, de 2001 – Odisseia no Espaço (1968), clássico de Kubrick, torna-se uma espécie de psicólogo de Jakub. Ambos passam a partilhar sentimentos e perceções sobre a vida, discutindo sobretudo o relacionamento entre Jakub e Lenka. A voz de Dano é uma escolha acertada por conferir suavidade às suas falas, sinceras, porém, cruéis. Simpatizamos rapidamente com este ser, especialmente pelo seu visual, que apesar de ser um tanto asqueroso, inicialmente, torna-se gracioso conforme o filme avança.
Os momentos que seguem o protagonista são intercalados com duas linhas espácio-temporais diferentes. Em uma, acompanhamos Lenka e as suas frustrações no casamento; na outra, memórias de um relacionamento que não existe mais. Renck opta por uma distorção nos limites da imagem para tornar mais clara a distinção entre ambos os tempos. Este artifício, que funciona perfeitamente sem cair nos clichês estilísticos, é utilizado quando se trata das memórias.
Entretanto, o período temporal em que se passa o filme não é definido. O visual e a narrativa do filme possuem elementos que se contrapõem a todo instante sem gerar estranheza, trazendo, na verdade, uma riqueza ao filme. A missão de Jakub tem como destino Júpiter, o que implica deduzirmos que Spaceman se passa no futuro, dado a grandiosidade da viagem. Além disso, há recursos de comunicação tecnológicos, como chamadas de vídeo. Em contrapartida, a mise-en-scène apresenta elementos que nos remetem aos anos 70. Essa amálgama de elementos tira o filme de Renck da linha vista nos últimos anos, trazendo um novo olhar visual para as obras de jornadas no espaço. Temos aqui um futuro vintage.
Enquanto há a relação intensa entre Hanus e Jakub de um lado, do outro sentimos falta de um aprofundamento da personagem de Carey Mulligan, em mais um papel de esposa desafortunada. Renck consegue nos fazer enxergar que, ao mesmo tempo que Jakub se sente sozinho, também há uma solidão em Lenka. A que custo vale o sucesso profissional em troca do afastamento daqueles a quem amamos?
Por outro lado, Spaceman falha no ritmo arrastado. Embora apresente reflexões pertinentes, em determinado momento parece dar voltas, rodeando o que já foi dito, sem aprofundar ou levantar mais questões. Quem espera um filme repleto de ações, provavelmente se dececionará. Em compensação, o clímax carrega uma profundidade poética e visual, com a despedida emocionante de Jakub e Hanus . As imagens do universo somadas aos diálogos dos personagens compensam o que poderia ter sido melhor trabalhado ao longo das suas quase duas horas.
Com estreia programada para o começo de março, diretamente na Netflix – um desconsolo tratando-se da qualidade de imagem e de som – Spaceman recorre à grandiosidade do espaço para nos fazer lembrar que só enxergamos o devido valor de uma relação quando ela, infelizmente, se encerra.
*O presente texto encontra-se escrito em português do Brasil.
Lílian Lopes