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23ª MONSTRA (2024) Estreias Festivais de Cinema

A ditadura argentina na animação: Mataram o Pianista


Rio de Janeiro, anos 1960. A Bossa Nova ganha projeção e admiradores nos “quatro cantos do mundo”. Um dos maiores artistas brasileiros, Vinícius de Moraes, sai em turnê pela Argentina, no ano de 1976, pouco tempo antes do regime ditatorial se instaurar no país. Tudo vai bem, até que numa noite, sem nenhuma explicação, seu pianista, Tenório Jr., desaparece após sair para comprar um remédio, ou teria sido uma sanduíche? O sumiço repentino do músico permaneceu um enigma por muitos anos e refazer o caminho dos acontecimentos é o objetivo dos realizadores espanhóis Fernando Trueba e Javier Mariscal. Com estreia realizada na última semana, Mataram o Pianista  (They Shot the Piano Player, 2023), uma coprodução portuguesa, nos faz mergulhar intensamente na música e no passado sombrio da América Latina.

Mataram o Pianista, de Fernando Trueba e Javier Mariscal © Direitos reservados

Mataram o Pianista (2024) é narrado por Jeff Harris (com voz do inconfundível Jeff Goldblum), um jornalista residente na cidade de Nova York, que tem como próximo trabalho escrever um livro sobre a bossa nova. Ao embarcar nessa jornada, Harris conhece a história de Tenório e, por ficar extremamente intrigado, deixa de lado a proposta inicial e abraça os acontecimentos do trágico fim do pianista. O filme é a segunda colaboração entre Trueba e Mariscal, que decidem trilhar novamente o caminho da animação, após o aclamado Chico & Rita (2010). A escolha da técnica singulariza e dá alma ao filme, retirando o status de mero documentário, formato escolhido para contar a história, e aumentando a sua potencialidade.

A dupla traz uma atmosfera semelhante, cheia de cores vivas e com o traço marcante de Mariscal, que oferece ao espectador magníficas ilustrações de Nova York, Rio de Janeiro, até mesmo de Frank Sinatra e Ella Fitzgerald. Entretanto, Mariscal sabe o momento de deixar as cores vibrantes de lado e dar lugar à monocromacia, usada nos momentos mais tensos e dramáticos. 

Um dos elementos que hipnotiza em Mataram o Pianista são as entrevistas. Feitas no formato convencional do documentário, a diferença aqui reside no fato de utilizarem o áudio captado e, a partir dele, criarem a animação. Vemos Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, por exemplo, a partir do desenho. Entretanto, estes momentos são extremamente breves, fazendo com que sintamos sede de mais histórias contadas a partir do ponto de vista deles sobre Tenório.

Mataram o Pianista, de Fernando Trueba e Javier Mariscal © Direitos reservados

Apesar dessa questão, o filme é uma obra-prima política, um prato cheio para os amantes de jazz, bossa nova e todos aqueles que querem mergulhar a fundo na história. Mataram o Pianista nos faz pensar nas outras milhares de pessoas que também foram vítimas dos regimes ditatoriais que se instalaram no Cone Sul, relembrando-nos de que a história nunca deve ser esquecida para não ser repetida. Trueba e Mariscal trouxeram a imagem de Tenório Jr. não apenas como o músico vítima da ditadura argentina, mas um pianista brilhante, vivo e com uma alma repleta de amor para dar.

*O presente texto encontra-se escrito em português do Brasil.

Lílian Lopes

[Foto em destaque: Mataram o Pianista, de Fernando Trueba e Javier Mariscal © Direitos reservados]

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