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O Nó Apertado de Confidenza

Em 2019, Domenico Starnone publicou Confidenza, romance que de amor (pelo menos, à primeira vista) é mais carente do que as habituais histórias sobre o tema. Foi esta obra literária que inspirou o trabalho de Daniele Luchetti, realizador do filme cujo título recebe a mesma designação. Confidenza é confiança, mas é também confidência, segredo, ser íntimo com alguém1. E quanto à desconstrução do título, nada há a apontar. Está tudo isto no filme de Luchetti.

Pietro (Elio Germano), professor de letras dedicado aos seus alunos, e Teresa (Federica Rossellini), sua anterior discípula, partilham entre si dois segredos que desconhecemos. O momento a partir do qual a acção se intensifica é o desta revelação a dois. 

Ambos os trabalhos – literário e cinematográfico – geram reflexões psicanalíticas de relevo, isso é certo. Contudo, a perspectiva do realizador torna-se mais compreensível após conhecermos o relato do autor. A forma como o filme expõe fantasias, desejos e manifestações dos inconscientes é, mais tarde ou mais cedo, elucidativa. São disto exemplo os episódios em que Pietro visualiza, como últimas saídas, pôr fim à sua presença terrena, e o desaparecimento repentino e conveniente de Teresa. Mas Starnone permite-nos atribuir um sentido preciso aos comportamentos. No plano literário, não se recorre tanto à imaginação do protagonista e ao simbolismo para nos levar a inferir algo; são os confrontos entre sujeitos e o relato na primeira pessoa, directo e consciente, a abrir portas para as conclusões. 

Paralelamente, há cenas e sugestões que nos conduzem por caminhos inexistentes no livro, e esta é uma opção que fica por explicar. Veja-se a subtil aura de mistério que rodeia a relação de Pietro com a sua filha, ainda criança – Emma (Sofia Luchetti) – e os netos.

A conexão entre Pietro e Teresa move-se, numa primeira abordagem, por uma matriz inofensiva de entrega e desejo, passando para o plano da expectativa negativa, da ansiedade, do medo. Teresa encarna a mulher cujo modus operandi é a vigilância obsessiva, mas subtil, a expressividade que oscila entre a ameaça e a meiguice. Por outro lado, Pietro adopta um registo de preocupação contínua, sendo ele que faz girar a engrenagem obsessiva de Teresa. Não a deixa ir, querendo, ao mesmo tempo, que se eclipse para sempre. E ao controlarem-se mutuamente, tendem à destruição de parte a parte. Ele, porque a relembra de algo terrível de que ficou conhecedora e jamais esquecerá. Ela, porque será, por todos os dias das suas vidas, uma ameaça que sobre ele paira. Evocamos Lacan e a predisposta destruição face ao objecto do amor: «o obsessivo, pode dizer-se, é verdadeiramente aquele que sabe castigar porque ama muito.»2

No essencial, na narrativa de Confidenza, o ponto fulcral não é tanto saber que enigma é esse que se vai escondendo de nós, mas a exploração de um vínculo entre duas pessoas e a arte de uma condicionar os passos da outra.

São nítidos intervenientes o domínio e a submissão, o medo e a dúvida, na companhia do experiente Thom Yorke. Mas fica apagada a alusão a um Superego e à imposição de uma moralidade, presentes no livro de Starnone.

Confidenza foi escolhido para encerrar a Festa do Cinema Italiano de 2024, na Secção Panorama.

Sofia de Melo Esteves

  1.  In Infopédia Dicionários Porto Editora. ↩︎
  2.  Lacan, Jacques. “Le séminaire de Jacques Lacan. [séminaire IX], L’identification: 1961-1962”. M. Roussan, Paris, 2003. Tradução livre. ↩︎

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