𝑅𝑒𝑢𝑛𝑖𝑎̃𝑜 (𝑀𝑎𝑠𝑠) chegou esta semana aos cinemas portugueses, infelizmente passando despercebida por muitos, naquela que é a estreia de Fran Kranz enquanto realizador e argumentista. Em foco, o frente-a-frente entre os pais de uma vítima e os pais do autor do crime para uma conversa dolorosa, numa tentativa de seguir em frente.
Quando em 2018, um jovem de 19 anos utilizou uma arma de fogo para matar 17 pessoas na escola Marjory Stoneman Douglas, na Flórida, Fran Kranz iniciou uma dura investigação acerca do tema dos tiroteios em escolas, questionando as diferentes formas como as famílias conseguem lidar com o luto e o desespero. Quando tragédias desta dimensão acontecem, o quê ou quem culpar? E como perdoar? Mass é uma tentativa de responder a estas questões.
O filme distingue-se pelo argumento e pelas prestações por parte dos atores, não procurando oferecer grandes proezas a nível visual. Em vez disso, assistimos a uma chamber piece de quatro pessoas a conversar em volta de uma mesa durante quase duas horas, demonstrando talvez os antecedentes de Kranz no teatro, já que estes diálogos poderiam facilmente ocorrer em cima de um palco. Numa experiência pesada e, por vezes, muito difícil de assistir, Mass é um confronto intenso com a perda, do qual ninguém sai vencedor. Se, por um lado, Jay (Jason Isaacs) e Gail (Martha Plimpton) lidam com a revolta e a frustração de terem perdido um filho, vítima de uma tragédia incompreensível, exigindo que de alguma forma se faça justiça e sentindo-se ainda pouco preparados para perdoar, Richard (Reed Birney) e Linda (Ann Dowd) enfrentam a dor do suicídio de um filho que, com ele, levou outros. Mais do que isto, está constantemente presente a dor de reconhecer que não foram capazes de prever ou impedir que o sofrimento do jovem chegasse aonde chegou.
Ao longo das quase duas horas do filme, estas personagens passam por um leque de emoções que impressiona na sua honestidade e vulnerabilidade profundas – rigidez, frustração, tristeza, hostilidade, raiva, culpa, remorso e desespero. Vulnerabilidade que faz esquecer que estamos a observar atores, de tal modo mergulhamos na complexidade da sua dor. Os quatro são dignos de aplausos, porém destaca-se sobretudo a prestação de Ann Dowd que, enquanto mãe do jovem atirador, esforça-se por dar sentido a uma tragédia absurda e ao facto de que continuará para sempre a amá-lo. O pai, apesar da postura mais rígida e subtil, culpa-se a si mesmo e parece incapaz de atingir a absolvição. Do outro lado, Gail procura desesperadamente algo ou alguém a quem possa atribuir a culpa, um motivo a que se possa agarrar para explicar a sua perda, e ambos os pais da vítima demonstram uma relutância, desde logo compreensível, em conceber a ideia de que a morte do seu filho possa ser equivalente à morte do agressor.
Não será porventura arriscado sugerir que o espectador imparcial provavelmente fica com a sensação de que os pais do autor do crime talvez carreguem um peso ainda maior. Afinal, mais do que o suicídio de um filho, é também a soma de todos os que levou com ele e toda a culpa que advém de questionar o que poderiam ter feito para evitar tal desfecho. Mas nestas histórias não há vilões nem heróis, apenas vítimas dos dois lados. E por muito que se tente encontrar algo ou alguém para culpar (seja a falta de legislação quanto à posse de armas nos Estados Unidos da América; seja a depressão e todos os problemas mentais a ela associados e que permeiam a sociedade contemporânea, num país cujo sistema não responde adequadamente às necessidades de saúde mental das pessoas), a realidade é sempre muito mais complexa – nas palavras de Richard, “são todas as coisas que não vemos”. E por muito tentador e humano que seja voltar atrás, refazer os passos e repisar o que poderia ter sido feito para impedir a tragédia, o que resta é apenas o caminho em frente.
Mass é uma reflexão sobre o sofrimento de quatro seres humanos que, ao contrário de outros filmes que se debruçam sobre este tema, não assume como seu papel transmitir qualquer lição paternalista ou mensagem política acerca dos acontecimentos reais que acontecem no mundo que nos rodeia. É uma verdadeira catarse emocional. Claustrofóbico, intenso e uma experiência de empatia profunda que nos faz refletir nas possibilidades do perdão e de como seguir em frente após o trauma da maior perda imaginável. O pico da catarse só pode ser o perdão – de uns aos outros e de cada um a si mesmo. Pois só o perdão pode ser o primeiro passo para voltar a viver.
[Foto em destaque: Martha Plimpton, Jason Isaacs, Reed Birney, e Ann Dowd em Reunião (Mass), de Fran Kranz – © 7 Eccles Street]