Enys Men, filmado em película de 16mm durante o recente confinamento, num curto intervalo de 21 dias, é o filme mais recente de Mark Jenkin. Se a obra deste cineasta oriundo da Cornualha é altamente caracterizada por uma grande prioridade dada à forma, então este filme de terror formalista é o pico das suas ambições.
Foi comercializado como um filme de folk horror, mas os seus pretextos vão além deste marcador de género. A influência é óbvia, claro, surgindo tanto na escolha de cenário onde a narrativa se desenvolve, como na sua origem inglesa (a nação na qual o terror está mais diretamente ligado a este subgénero). Porém, os pontos de referência são escassos. Folk Horror, como argumenta Howard D. Ingham, tem um duplo significado.
O primeiro e mais óbvio é o titular folclore ser um aspeto central, e o seu lado inverso, igualmente presente em praticamente todos os filmes do género, é o medo de “folk” (neste caso, grupos de pessoas, relacionado à temática do paganismo). Enys Men não preenche nenhum destes pré-requisitos. O filme não menciona qualquer tipo de folclore, sendo o seu elemento de género derivado de uma muito vaga fabulação científica, e a protagonista do filme é das poucas personagens presentes nele (sendo as outras, à excepção de uma, de existência puramente psicológica). A identidade visual do filme é muito inglesa, mas acaba por beber imensamente mais de outras fontes (um certo estilo de surrealismo televisivo britânico, por exemplo) do que de folk horror propriamente dito.
A experiência do filme acaba por ser uma de terror formalista. Existe uma narrativa? Sim, contudo esta parece desenvolver-se incidentalmente do trabalho da forma, intimamente ligado a revelações e perturbações emocionais. O filme opera num loop constante ao observar a rotina duma mulher numa ilha deserta, responsável por observar a sua flora todos os dias em curtos exames. O loop é perfeito até a mulher começar a enlouquecer (e algo na ilha começar a mudar). O formalismo informa o conteúdo, algo que ocorre a um nível tão extremo que seria mais interessante estudá-lo através da lente do estruturalismo.
Cinema estruturalista deriva de um afastamento da “forma complexa” em direção a uma abordagem que favorece uma estrutura estrita (usualmente já pré-determinada no seu conceito). Enys Men segue um pressuposto semelhante. A protagonista faz as mesmas ações todos os dias e segue as mesmas tarefas observacionais. O filme repete esta rotina durante quase toda a sua duração. A um certo ponto, simultaneamente, algo estranho com a flora da ilha começa a acontecer e a protagonista começa a enlouquecer, desleixando-se a nível de rotina. Não é claro de que forma ou até a que nível estes campos se entrelaçam. O filme continua a girar em volta deste seu ciclo, mas começa a autodestruir-se. Mesmo assim, o sentimento de estrutura nas mãos do realizador é palpável, agora dentro de uma espiral imparável de entropia. O ciclo continua, agora completamente (e irrevogavelmente) distorcido.
Tal como não é claro se o líquen nas plantas causou o enlouquecimento da protagonista ou se este é em si um produto do seu enlouquecimento, também a linha é inseparável entre a sua sanidade e o caráter estruturalista do filme. O declínio e deformação da estrutura levou ao seu delírio, ou será que o seu delírio psiquicamente distorceu as regras implícitas do filme que habita?
Vasco Muralha