Fiquei na Praia (2022)
de Francisca Alarcão
Apresentado como um filme dos alunos da licenciatura em cinema da ESTC, Fiquei na Praia, realizado por Francisca Alarcão, prima pela beleza minimal das suas imagens e narrativa, que acompanha Laura no esforço emocional que lhe causa a mudança para o seu primeiro apartamento. Nesse período de mudança, é invadida por fragmentos de memórias da praia onde costumava passar férias com os seus pais.
Fazendo uso de planos fixos e numa mesma cadência do princípio ao fim, o filme demonstra com delicadeza o processo de despedida da infância e a procura por um novo lugar de emancipação.
Ricardo Fangueiro
Boys (2021)
de Raghuvir Khare
Uma inocência de Nouvelle Vague com a solidão bucólica de Tarkovsky: Boys, de Raghuvir Khare, capta a profundeza leve de duas crianças, dois amigos, a trilharem os caminhos das suas próprias curiosidades sexuais. Ao desvendar a confusão que partilham Tomas e Arno, por tantos reconhecida com grande tabu e perturbação, a curta-metragem apela por um olhar sensível àquela que é uma experiência tão basilar — o surgimento ainda sem nome e sem conceito do desejo, do medo, da euforia, da rejeição. É como se o realizador indiano nos recordasse de uma memória universal, um rito de passagem histórico (ou pré-histórico?), o nosso sentido perdido do erótico enquanto brincar. Assim, é num espaço rural e pacato, livre de quaisquer estímulos midiáticos que pudessem supostamente “justificar” tal movimento, que os mistérios e as contradições do sensual, do sensacional, se vão percorrendo e revelando numa descoberta mútua.
Laila Nuñez
Tormento (2022)
de Arturo Mombiedro
Tormento é um filme sobre perda e memória, um diálogo entre presente e passado, mediado/personificado através da figura paternal. Assombrados por uma mãe vegetativa, e um pai que, no seu luto, se refugia num passado alegre e vivo, o conflito surge na interação entre o luto antecipatório dos filhos, que discutem estas presenças ausentes. Este conflito encontra no seu auge uma grande questão central, o que fazer face ao estado vegetativo da mãe — poupá-la de uma vida indigna, suspensa artificialmente, ou honrando a sua memória, cuidando dela até ao fim, porventura não pelo seu bem, mas pelo bem dos próprios. O jogo entre interior e exterior no filme, figurado através dos olhos vagos do pai, apresenta um contrapeso feliz, que torna a situação ainda mais infeliz. No auge da discussão, o pai sai de casa, cambaleia entre tempos, sofrendo simultaneamente o antes, o agora e o depois. No fim, sobra a dor, o tormento de uma decisão impossivelmente satisfatória.
Diogo Albarran
Lugares de Ausência (2021)
de Melanie Pereira
Tudo está coberto de lençóis dados a ver através de planos fechados que aos poucos se vão abrindo como as janelas desta casa. As mãos que abrem janelas, são as mesmas que esticam sons e constroem filmes. Estas partem à descoberta de outras mãos; mãos cobertas de cimento ou com luvas amarelas das limpezas, em busca de pontos de convergência.
Esses pontos encontram-se na 3, rue do Quartier e 4, rue de la Fontaine, onde nasceu uma família de 4, entre duas ruas, dois países e duas casas; na casa velha forrada a madeira escura; e na casa grande debaixo do sol e com cheiro a eucalipto.
Tiago Leonardo
In Between Glass and Walls (2022)
de Razan Hassan
Anne Gehring é uma atriz que se vê incapaz de aceitar o seu filho com Síndrome de Down. Na luta por ultrapassar esta incapacidade encontra-se com Sara van Ketel, uma mulher de 32 anos também ela com Síndrome de Down. As duas preparam uma peça de teatro que fala sobre tudo isto, e este é o mote para In Between Glass and Walls.
É uma história tocante que coloca uma mãe em conflito com a sua capacidade de maternidade e de se encarar como mãe daquela criança. Essa luta é refletida nos grandes espelhos que compõem as imagens do filme, e que se revelam elementos essenciais à narrativa. As duas “personagens principais” questionam-se muito sobre esta capacidade de se conseguirem ver, e o espelho parece ser o indicativo visual disso: é ele que reflete de que forma e o quanto elas se vêem.
- “Quando alguém olha para ti, o que é que achas que vêem primeiro?” (Anne)
- “Que tenho Síndrome de Down.” (Sara)
O preconceito em relação ao Síndrome de Down está tão vinculado que até mesmo as próprias pessoas que apresentam o síndrome se revêem nele, deixando de se conseguir definir ou ver para além dele.
É nesta necessidade de ver para além do problema que estas duas mulheres se encontram e partilham este filme.
Inês Moreira
Parceria com o CINENOVA – Festival de Cinema Interuniversitário Português
[Foto em destaque: In Between Glass and Walls (2022), de Razan Hassan © Direitos Reservados]