Espelho Eu (2022)
de Beatriz Alves Ribeiro
A primeira curta-metragem de Beatriz Alves Ribeiro é uma fantástica estreia, que revela desde imediato um grande domínio imagético, rítmico e crítico. O filme confronta a noção de ser mulher nos anos 70 em Portugal, a partir dos livros Enciclopédia da Mulher, tecendo uma profunda crítica a uma imagem absurda e desajustada aos padrões de hoje. A crítica é, de certo modo, autossuficiente, no sentido em que a mera recontextualização dos livros para os dias de hoje é suficiente para perceber o absurdo dos padrões e expectativas que tornavam a mulher um ser dependente – da casa, dos filhos, do marido, da família, etc. A mulher era assim apresentada de um modo serviçal – compreendendo-se a mulher perfeita como uma fada do lar. Partindo do passado e ajustando-o ao presente, o filme questiona também essa mesma evolução, o que é ser mulher hoje e o que será amanhã. Será possível um futuro livre dos fantasmas do passado-presente?
Diogo Albarran
Punkada (2022)
de Gonçalo Barata Ferreira
É no meio de um descampado com uns barracões, onde está estacionado um velho e podre autocarro, que Punkada decorre. Os décors, adereços e guarda-roupa remetem para outra década do século passado, procurando retratar o quotidiano decadente dos Biqueira d’aço, uma banda punk em autodestruição.
Tentando fazer jus ao conteúdo da história, o filme tenta também ser punk na sua forma. Disperso em sequências desconexas, num fluxo de imagens onde salta à vista a película 16mm, Punkada serve-se de um bom domínio da técnica (recorde-se que o filme é uma produção da Universidade Lusófona) para enfatizar a energia da banda e guiar o espectador num delírio musical.
Ricardo Fangueiro
Night By Night (2021)
de Jules Mathôt
A noite é azul e a lua é amarela. Night By Night poderia ter sido inspirado no quadro “A Noite Estrelada” de Van Gogh, para onde a nossa mente divaga naqueles que são os planos de animação artesanal do filme: as ruas e os prédios noturnos. À la Janela Indiscreta de Hitchcock, o filme revisita o cinema noir e inspira-se em filmes americanos de culto.
Um detetive privado é contratado para investigar um pianista misterioso. O ver e ser visto são as questões essenciais deste filme, que destaca objetos que servem para espiar (ver ainda mais) como binóculos, e outros como um revólver, um rádio, um telefone, e uma máquina de escrever. Há uma preocupação do realizador em destacar os aspectos visuais do filme, quer os seus objetos, quer as suas cores. E são as próprias cores que fazem a ponte com a música jazz, se pensarmos nos quadros, com destaque para a cor azul e amarela, de Piet Mondrian. O jazz contribui para a estética do noir, e é parte essencial da personagem que o detetive espia.
Night By Night apoia-se e inspira-se em muitas referências fortes e reconhecíveis do espectador, o que o torna apetecível aos olhos deste.
Inês Moreira
In a kinda ordinary system (2021)
de Mikołaj Piszczan
Como seria nascer e morrer na Polónia, durante o regime comunista da 2ª metade do séc. XX? E como seria o intervalo entre o choro inaugural e o suspiro final?
Na tradição do cinema russo da década de 1920, In a kinda ordinary system é uma sinfonia, não da cidade, lembrando Dziga Vertov, mas da existência mais simples, desde o seu primeiro momento até ao seu inevitável desaparecimento, naquele que foi possivelmente o mais complexo dos regimes políticos e sociais. Realizado inteiramente a partir de imagens de arquivo, a montagem, herdeira e aprendiz do cinema de Sergei Eisenstein, deixa entrever pelos diferentes estádios da vida as contingências impostas pelas ideias de ordem, disciplina e obediência que regiam a relação entre o cidadão e a sociedade comunista polaca. Haveria à data outro modo de lhes escapares que não caminhar em linha recta em direcção à morte, na esperança de um recomeço, em liberdade, para e do comunismo?
Cátia Rodrigues
Parceria com o CINENOVA – Festival de Cinema Interuniversitário Português
[Foto em destaque: Night By Night(2021), de Jules Mathôt © Direitos Reservados]