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Entre o fantástico e o horror: as convergências estéticas e de gênero em Pearl

E se O Feiticeiro de Oz fosse uma história de terror? Essa é uma das muitas indagações que transpassa nossas mentes ao sairmos da sala de cinema após a sessão de Pearl, realizado por Ti West e exibido no 20º IndieLisboa. O longa-metragem é uma prequela de X e, se o primeiro já foi um regalo ao gênero de terror slasher, este acaba por ser uma surpresa ainda melhor.

Voltemos cerca de 60 anos antes aos acontecimentos de X. Pearl (Mia Goth) é uma jovem moradora de uma fazenda texana que vive com seus pais – imigrantes alemães – e aguarda o retorno de seu marido, combatente na Primeira Guerra Mundial. Somos então expostos aos acontecimentos situados na gênese do comportamento atípico da protagonista e compreendemos o que motivou as atitudes assassinas nos anos 1970.

Um dos elementos mais singulares de Pearl é a estética escolhida para a obra. Deixamos de lado as convenções dos filmes de terror para sermos inseridos em um universo repleto de cores – nota-se que elas são, até mesmo, ligeiramente saturadas. Podemos então iniciar o paralelo que a obra faz com alguns filmes da era de ouro de Hollywood, em especial O Feiticeiro de Oz

O primeiro plano do filme é constituído por um travelling frontal iniciado dentro do estábulo e termina segundos após as portas abrirem-se para a fazenda. O cenário é o mesmo de X, mas aqui o céu está azul, a casa recém pintada e a grama verde. Estamos na mesma posição de Dorothy no momento em que ela acorda e vê que não está mais em Kansas, mas sim em Oz.

Esse mundo utópico – ao contrário da obra de 1939 – fragmenta-se ainda na sequência de abertura, quando a mãe de Pearl a arranca bruscamente de seu devaneio com o universo do espetáculo. Percebemos então que a protagonista divide-se entre o mundo real e o imaginário. Há uma tentativa de conciliar – a contragosto – os deveres relativos à família e à fazenda com as idas ao cinema e a vontade de ser uma estrela. Sua aspiração é tão latente que West concebe uma longa sequência de dança em uma plantação de milho entre Pearl e um espantalho – mais uma referência ao mundo de Oz.

Pearl, de Ti West © A24

Entretanto, para além dos anseios mais explícitos, Pearl possui desejos sexuais intensos – comportamento perpetuado até a velhice -, responsáveis por levá-la para um caminho que vai desde a infidelidade ao seu marido até a uma simulação do ato sexual com o espantalho. Nota-se então a complexidade da protagonista e percebe-se a resposta às perguntas que ficam em nossas mentes após X

A esfericidade relaciona-se principalmente ao seu comportamento assassino. Logo no começo da narrativa, a personagem mata gratuitamente um animal e mostra-nos sua face apática diante da morte. Essa atitude replica-se e recai sobre os outros que estão ao seu redor, incluindo seus pais. É notável a profundidade da personagem ao vermos uma certa angústia e culpa pelas mortes geradas por ela, ao mesmo tempo que notamos uma frieza e impassibilidade. 

West utiliza de forma hábil certos elementos que tornam-se simbólicos para o filme. Para além do espantalho, percebemos a passagem de tempo a partir do apodrecimento do porco assado dado de presente à família de Pearl. O animal não serve apenas para localizar-nos temporalmente, mas também reflete o deterioramento dos corpos mortos pela personagem.

Pearl é uma surpresa mais que bem-vinda ao terror. A mistura de elementos estéticos e as referências às obras clássicas, deram um novo ar ao slasher e abriram um leque ainda maior de possibilidades que devem ser exploradas no gênero. West já havia acertado em X, mas aqui ele provou que pode-se fazer ainda mais.

* O presente texto encontra-se escrito em português do Brasil.

Lílian Lopes

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