Lisboa é terra de saudade, cor e melancolia. É palco de revoluções, poesia, de amores e desamores. Índia, a mais recente longa-metragem de Telmo Churro, nasce da necessidade de retratar Lisboa, estabelecendo um diálogo entre a mudança e aquilo que permanece na sua essência.
Filmado em película de 16mm, este filme transporta-nos para as ruas labirínticas da cidade. Entre subidas, descidas e coloridos cenários pitorescos, conhecemos a intimidade de três gerações de homens portugueses. Tiago (Pedro Inês) é um guia turístico que sofre perdidamente de amor. Foi deixado pela mulher e tem a consciência turva por um profundo delírio existencial. Vive com o seu pai, Raul (José Manuel Mendes), um marinheiro fascinado pela história marítima portuguesa, e com o seu filho, Manuel (João Carvalho), um adolescente que não bebe cerveja, mas está embebido pelos seus sonhos cósmico-eróticos. Em sua casa recebem Karen (Denise Fraga), uma turista brasileira desolada pela recente morte do marido.
Índia é, acima de tudo, uma história sobre uma viagem turística não convencional, um filme que despreza a ideia de uma cidade gentrificada, entregue às multidões de turistas sedentos. As quatro personagens (e o espectador) embarcam numa cómica tour de melancolia e luto coletivo. Durante alguns dias, navegam por uma Lisboa de heróis suicidas e histórias revolucionárias, onde se cruzam diferentes tempos e narrativas.
Envoltos em poesia, cartas sobre as deambulações e monólogos interiores, procuram Fernão Lopes, um historiador português renascentista empenhado em registar objetivamente a presença dos portugueses na Índia. A verdade é que a sua obra, desprovida da aura heroica atribuída a este período, parece estabelecer uma correspondência com o olhar crítico do filme. O título deixa de parecer fruto do acaso ou de uma glorificação do passado colonial. Não é disso que se trata. Trata-se, antes, de uma vontade de descrever a essência da experiência lisboeta (tal como Fernão Lopes retratou a da Índia). Como é Lisboa longe da herança salazarista, da política colonialista e do turismo desenfreado? Qual é, afinal, o segredo desta cidade?
Simultaneamente contemplativo e frenético, Índia assume uma enorme liberdade narrativa e estética. É um filme confuso, com uma cadência própria e cujo estranhamento não deixa de ser, no entanto, uma experiência familiar. Lisboa é também deambulação, introspecção e memória de quem já não está cá. É tudo isto que o filme retrata. Como uma carta de amor (de: Telmo Churro, para: Lisboa), este filme traz até ao IndieLisboa um pouco da história da cidade que o acolheu.
Maria Mendes