Ryuichi Sakamoto, pianista e compositor japonês, faleceu a 28 de março de 2023. É exatamente um ano depois, em 2024, que Ryuichi Sakamoto: Opus estreia nos cinemas portugueses. Surge pelas mãos do filho, Neo Sora, sob a forma de um filme-concerto que consagra o canto do cisne (em inglês, a famosa swan song) de Sakamoto, compositor de bandas sonoras de filmes como O Último Imperador (1987, vencedor dos Óscares de Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Filme e Melhor realizador, entre outros) e precursor da música eletrónica, como o synthpop e o techno.
O último filme do pianista constrói o seu percurso musical e de vida, através de um cenário íntimo e desprovido de decoração. Recorre a uma curadoria do próprio pianista nos temas tocados, que vão desde originais do período em que integrou a banda Yellow Magic Orchestra, como “Tong Poo” e “Happy End”, até ao reconhecido “Merry Christmas, Mr. Lawrence”. Em palco, Sakamoto e o seu contracena: o piano de cauda. O único foco de luz é uma lâmpada que traça as silhuetas do compositor e do seu instrumento. É inevitável a comparação de Opus com Ryuichi Sakamoto: Coda (Stephen Nomura Schible, 2017), documentário sobre a vida de Ryuichi Sakamoto. Coda é musicalmente definido como o excerto final de um tema musical, e Opus como uma peça musical de um determinado compositor. Opus retorna ao princípio, apoiando-se na simplicidade da música (mesmo na sua complexidade) e concretizando a verdadeira coda da vida e carreira de Sakamoto.
Neo Sora oferece-nos uma cristalização do compositor através da música. A sua realização é pouco invasiva, imposta pela própria música de Sakamoto, nas suas dinâmicas e flutuações rítmicas. É um retrato honesto, a preto e branco, com momentos de interrupção pelo próprio compositor, que toca piano como se estivesse sozinho, na solidão do fim de vida. Em determinados momentos, Sakamoto é o maestro da sua música. Com a mão a marcar as flutuações da música, a câmara evita o close-up do piano, simulando um piano que se toca sozinho (ilusão que se concretiza no fim do concerto, quando Sakamoto desaparece de campo e as teclas do piano tocam por si sós). Neo Sora quebra esta ilusão quando opta por colocar em evidência as mãos (envelhecidas, mas sábias) de Sakamoto. O realizador intercala, ainda, planos abertos com grandes planos do instrumento e dos suportes técnicos que se espalham pela sala, que, por um lado, contribuem para a dimensão emotiva do concerto e, por outro, intensificam a cristalização do compositor e da sua arte.
O filme termina com a expressão latina Ars longa, vita brevi (a arte é longa; a vida é breve). Não haveria melhores palavras para descrever o filme póstumo de Sakamoto, cuja arte chega até nós, um ano após a evidência da brevidade da sua vida.
Rita Pádua