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Super-heróis: Amor, Aceitação e Alternativa

Quando as leis da Física interagem com as emoções, nasce uma história como a de Supereroi (2021), integrado no Panorama Especial da Festa do Cinema Italiano deste ano. Um filme que se mostre verossímil com o trajecto de cada um de nós, recorrendo às diversas temporalidades para narrar uma história sobre o poder do amor é, já em si, um super-herói. 

Os super poderosos de Paolo Genovese não chegam ao ponto de conhecer o que aí vem. Não controlam os acontecimentos, não estão acima da doença e do declínio. Os possantes, mas inseguros homens e mulheres de Genovese, protegidos por escudos e em esforço, enfrentam as agressões que se lhes apresentam, e lutam por aquilo que acham certo, sem muitas vezes ficar a salvo das interferências da tão receada kriptonite.

«Um corpo em repouso permanece em repouso, e um corpo em movimento permanece em movimento a uma velocidade constante e em linha recta, a menos que alguma força aja sobre eles». 1

Supereroi, de Paolo Genovese © Direitos Reservados

Esta primeira Lei de Newton é, passo a passo, demonstrada por Genovese. O rumo escolhido para as suas personagens nunca se pauta pelo conformismo. Se a casa que as alberga deixou de ser o seu refúgio ou a sua fonte de adrenalina, elas têm a coragem de alterar o seu percurso. Se olham para si próprias como seres mortos para o combate, lembram-se, em determinado momento, do que realmente são os seus desejos e entregam-se de corpo e alma à tarefa de reflectir nesta Lei. E a força a que se refere esta Lei é a força do Amor. E é por ela que se regem Marco (Alessandro Borghi), professor de Física, e Anna (Jasmine Trinca), cartoonista. Uma força, nalgumas escolhas, imperceptível. Noutras, disruptiva. Mas sempre dominadora.

O argumento de Supereroi vai para além do de uma comédia terra a terra [atente-se nas referências a Love Actually (2003, Richard Curtis)] e fica aquém, de forma propositada, mas bem-vinda, do pessimismo de alguns dramas. É quase como se Genovese, fazendo o salto para o acontecimento mais delicado da película, tivesse como intenção abordar uma espécie de registo benigniano2, em que a vida pode ser bela mesmo diante dos verdadeiros sofrimentos relacionais. 

Assinalam-se, como ponto positivo, as animações pontuais e conectadas à estrutura de uma das personagens, mergulhada na criatividade, fazendo-se a ponte entre existência privada e expressividade. Menos contida é a presença da música, já de si elemento de relevo no cinema italiano. Genovese não se inibe nesta matéria, e talvez o que tenciona revelar nos seus trabalhos ganhasse mais sem alguns excessos de som [veja-se como envereda pelo mesmo caminho no seu trabalho posterior Il Primo Giorno della Mia Vita (2023)].

Seguir com a vida implica aceitar dois factos. Um, que sou finito; o outro, que não posso ser amado por todos3. Por isto, que não se discrimine: os omnipotentes de Supereroi são todas as personagens que se assumem como falíveis e mortais, quer os que mantêm o vínculo, quer os que não resistem a meteoros de kriptonite. São os sucessivos finais e desilusões, que eles vão recebendo como inevitabilidade, a definir a sua natureza enérgica, porque se permitem tentar de novo. E é essa imperfeição que comprova o seu génio.

Sofia de Melo Esteves

* O presente texto encontra-se escrito ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico.

  1. Newton, Isaac. “Philosophiae Naturalis Principia Mathematica”. William Dawson & Sons, 1960. Tradução livre. ↩︎
  2. Benigni, Roberto. ↩︎
  3. Abel, Olivier. Prefácio. In Ricoeur, P. “Living Up to Death”. Éditions du Seuil, 2007. Tradução livre. ↩︎

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