Na passada quarta-feira, voltamos a receber, em Lisboa, a nova edição da Festa do Cinema Francês. Nesta abertura da Festa pudemos contar com o filme Tout Le Monde Aime Jeanne, que teve a sua estreia internacional no Festival de Cannes. Esta, que é a última longa-metragem da jovem realizadora Céline Devaux, é uma comédia sobre uma mulher nos seus 40 anos – Jeanne (Blanche Gardin) – em confronto com os seus próprios demónios, representados sob a forma de ilustrações da própria realizadora, ao mesmo tempo que se depara com a urgência de arranjar uma solução para a sua própria falência.
O filme, rodado maioritariamente em Lisboa, é uma coprodução da portuguesa O Som e a Fúria e conta com o ator Nuno Lopes num dos papéis principais, ele que é talvez aquele que mais gargalhadas rouba ao público do Cinema São Jorge.
Tout Le Monde Aime Jeanne tem o seu toque de humor negro, as piadas são feitas em volta de assuntos como a morte, a falta de dinheiro e o estado do mercado imobiliário/arrendatário em Portugal, país com um papel central nesta comédia que podemos ver como um olhar francês sobre a capital portuguesa. Céline Devaux parece ir além das suas personagens e querer, de alguma forma, transformar Lisboa numa delas. Neste sentido, a cidade é acompanhada pelo peso do suicídio da mãe de Jeanne, presente em cada plano da casa deixada por esta e da Ponte 25 de Abril, e pela angústia daqueles que querem continuar a viver nas casas onde viveram toda a sua vida, mostrando um lado muito triste da evolução da capital.
O peso do filme é aliviado pelas animações que intercalam os planos dos atores. As inseguranças, dúvidas e devaneios da personagem principal transformam-se em engraçados pequenos demónios que habitam tanto a sua cabeça como o próprio ecrã do filme. Eles dançam, cantam, riem, são amargos, por vezes doces, e ajudam a ritmar um filme que, sem eles, não traz grande novidade ao cinema francês. Os realizadores/argumentistas franceses são muito perspicazes a fazer este tipo de comédias e, mesmo que nem sempre geniais, estas não falham muito a nível técnico ou na sua capacidade de entreter a audiência. O destaque neste caso, possivelmente, vai para a fotografia e a mise-en-scène do filme que relembra até a do cinema do espanhol Almodóvar.
Das peripécias com os seus dois pares românticos, o excêntrico Jean (Laurent Lafitte) e o professor de coro Vítor (Nuno Lopes), às estranhas conversas com agentes imobiliários, Jeanne vai construindo, connosco, esta história que envolve falhar e que envolve também dar a volta por cima. Jeanne está presente em quase todos os planos do filme, e o espectador reage em função das suas reações, sempre particularmente divertidas. Ela é a investigadora falhada, a filha que não atendeu a mãe no momento do suicídio mas é também a mulher mais carismática dos sítios onde se encontra e aquela que todos imediatamente tanto amam.
Inês Moreira
[Foto em destaque: Tout Le Monde Aime Jeanne, de Céline Devaux – © Les Films du Worso, O Som e a Fúria, France 3 Cinéma, Scope Pictures]