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Rebentos: Mostra Internacional de Cinema Emergente – Sessão 4

Poster de Cores de Outono, de Lucas Tavares © Direitos Reservados

CORES DE OUTONO, 2020

um filme de LUCAS TAVARES

As folhas caem e os dias ficam mais escuros e curtos. Por entre árvores escorrem pequenas gotas de uma chuva tímida que começa a dominar o céu. Na floresta já não há flores, mas sim castanhas, cogumelos, líquenes e folhas que se despedem do verde dando lugar ao amarelo e ao vermelho. O rio já corre de novo, coberto pelas cores de uma nova estação. O sol dá lugar ao nevoeiro. É a chegada do Outono. 

São treze as janelas que se abrem nesta viagem pelas Cores de Outono. Uma viagem estética dominada pela contemplação que nos descreve não só uma floresta, como a própria passagem do tempo. Mas estaríamos muito enganados se pensássemos que esta é apenas uma experiência sensorial. Ainda que demoremos a identificar nela os constituintes habituais de uma história, somos subtilmente guiados por um caminho que, mais que outra coisa, descreve a personagem principal desta narrativa: a floresta. E a floresta é o rio, o nevoeiro, o orvalho, os fungos, a folhagem, as árvores e a transformação. E esta é a história desta floresta, que sente o Outono nas suas cores, amarelas, castanhas, verdes e vermelhas; e azuis, ao anoitecer.  

Nuno Cintra

Still de Magari, de Shari Ehlers e Thomas Guggenberger © Direitos Reservados

MAGARI, 2022

um filme de SHARI EHLERS e THOMAS GUGGENBERGER

“Magari”: expressão de origem grega que significa uma busca pela felicidade: algo que é desejado ou esperado é também o título deste filme sobre um homem e uma mulher, naquela que parece ser a sua vivência banal. Mas o título ambíguo faz o espectador questionar-se sobre o que desejam ou esperam estas personagens. Servindo esta expressão de mote, o filme inicia como uma espécie de “jogo de escondidas” entre as duas personagens.

Apesar deste início jocoso, é fácil sentir, nesta pequena casa de férias, a tensão no ar. Primeiro, porque estamos perante uma personagem feminina pensativa e em constante processo de autorreflexão. Por outro lado, pelo contraste que ela apresenta com a personagem masculina, menos perdida em reflexões e menos humana, revela-se quase estranha ao espectador, é ele que traz esta vertente de “jogo” para dentro do filme, quer através de pequenas mentiras, quer através da sua interação com a própria casa. O jogo parece aumentar a tensão.

É na questão do autoconhecimento (maioritariamente da personagem feminina) que percebemos a linha condutora para esta busca ou desejo por algo, que se reflete muito no tema da profissão dela. Este tema contribui para a sensação de que algo não está resolvido. Uma carreira que parece falhada e uma visão negativa da personagem masculina sobre esta, que constantemente sugere a mudança de carreira. Esta sugestão parece afastar o casal e levar a um certo caminho traçado em separado até ao final do filme, talvez por esse autoconhecimento ser tão individual e necessário a cada um.

Esta separação de caminhos acaba por culminar num caminho em conjunto representado pelas chamas que o casal olha na cena final do filme, junto um do outro, e que podem ser uma metáfora para a conclusão das dúvidas do passado e contribuir para a sensação de “missão cumprida”.

Inês Moreira

Poster de Snow, de Anna Valkanou © Direitos Reservados

SNOW, 2021

um filme de ANNA VALKANOU

“E até nos dias mais calorentos de Agosto, quando a pele parece estar a arder, eu vejo neve!” 

Anna Valkanou deixa-nos boquiabertos quando, passado um minuto e quarenta, escolhe revelar-nos tudo o que ouvimos e vimos. Pois a animação é a ilusão do real, conjunto de imagens fabricadas, produto da nossa imaginação. E assim também o filme, não sabendo nós, iludidos, também cegos estivemos até nos ser revelada a verdade. 

E o que pensar de tudo isto, depois da cruel resolução? Pensaremos sobre o que as palavras podem significar para quem não vê, sobre a forma como foram numa animação. E desejaremos ver tudo outra vez, mas agora de olhos fechados. 

Nuno Cintra

Poster de Naughty Spot, de Jean Costa © Direitos Reservados

NAUGHTY SPOT, 2021

um filme de JEAN COSTA

Na ilha de Córsega encontram-se memórias de suor e sexo em esconderijos por entre os bosques e pontões à beira-mar. Já quase abandonados, relembram um tempo em que o sexo não era gratuito, pornográfico e feito por encomenda através de uma aplicação. Depois de entrar em contacto com um homem mais velho, Tonio é guiado por estes locais e relembrado dos encontros de outros tempos, em que os homens se encontravam deixando mensagens em cabines telefónicas e aventurando-se por tuneis durante a noite. 

Não é só o amor que deixou o lugar para o sexo, é também o sexo que deixou de ser um momento de carinho e passou a ser um ato de brutalidade e desrespeito, previsível e mecânico. E para um brasileiro negro emigrante a viver França, a procura por um parceiro tornou-se um momento de violência, em que se submeteu ao mercado digital do sexo, para ser rotulado e insultado como produto, aos olhos de outros que nada desejam que não seja carnal. 

“Eu não beijo.”, diz o homem que Tonio conhece através da aplicação, colocando-se de joelhos e abrindo-lhe a breguilha. Mas Tonio não quer nada disto e aventura-se à beira-mar por bosques encantados em busca de outros tempos. Tempos, conta-lhe “O Oráculo”, em que aqueles bosques se povoavam com orgias e o amor andava de mãos dadas com o sexo.  

Nuno Cintra

Poster de Brown Night, de Mingyang Li © Direitos Reservados

BROWN NIGHT, 2021

um filme de MINGYANG LI

A cegueira é o tema central de Brown Night, curta-metragem chinesa de Mingyang Li sobre uma mulher que sabe que irá ficar cega e as dificuldades que tem em lidar com o seu marido, também ele cego. A cegueira no filme, para além de física, tem também um carácter espiritual: uma falta de perceção do outro, contribuindo assim para uma falha na comunicação entre as personagens.

Todavia, esta cegueira e a consequente falta de comunicação não se limita apenas ao campo das personagens, ela atinge ainda o espectador, principalmente pela forma como a câmara filma a história. No início do filme, as cenas são nos dadas através de portas/janelas/buracos, como se nunca estivessem em primeiro plano e como se o olhar do espectador fosse o olhar de um espião que invade a privacidade destas personagens. Há uma falta de comunicação entre a câmara e o espectador que reflete esta falta de comunicação que é também evidente entre as personagens.

A falha de comunicação transmite ainda uma diferença de vontades das personagens, principalmente no caso da gravidez. A intenção será a de nos trazer ao de cima a dificuldade que a comunidade invisual acaba por enfrentar com esta questão, que para uma pessoa sem esta deficiência acaba por ser um assunto mais natural e mundano. Esta celebração da vida não é dada de forma simples à comunidade cega e é com este sentido de injustiça que o filme nos deixa, a injustiça de um mundo que não está preparado e não fornece ferramentas a estas pessoas que são isto mesmo: pessoas.

Inês Moreira

Esta é a quarta sessão da mostra Rebentos que poderão acompanhar no próximo dia 8 de julho, pelas 19h30, na Casa da Juventude da Tapada das Mercês.

Nota: A folha de sala inclui textos de autores que não pertencem ao CINEblog IFILNOVA.

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