Dark Glasses marca o regresso do mestre do cinema de terror italiano: Dario Argento. O realizador, que conta com sucessos como Suspiria, Deep Red e Inferno, esteve cerca de uma década longe da realização e o seu retorno ao cinema tornou-se muito aguardado pelo público. Com sala cheia no Cinema São Jorge, a sessão de Dark Glasses marcou a 16ª edição do MOTELX, na passada quinta-feira, e contou com a presença da protagonista, Ilenia Pastorelli.
Dark Glasses é um filme que evoca outros filmes, em particular os mais antigos do realizador. Desde sempre que o cinema de Argento se revela como um cinema muito próprio e de fácil identificação. Dark Glasses encaixa muito bem neste universo, sendo também ele marcado pelos apontamentos avermelhados da cinematografia e pela banda sonora arrepiante, incapaz de deixar o espectador indiferente. Se nos dissessem que Dark Glasses era uma cópia restaurada de um filme de Argento dos anos 80, tal não nos pareceria estranho, pois há no filme uma função de revisitação deste passado do cinema, recheando de nostalgia o regresso do mestre.
Elena Pastorelli interpreta Diana, uma prostituta que é perseguida por um serial killer. A premissa do filme é simples, encaixando-se no género literário e cinematográfico italiano giallo, muito popular entre as décadas de 60 e 80. O filme abre com um eclipse solar e, no momento em que Diana olha para este, parece ficar momentaneamente cega. A esta cena segue-se a morte de uma prostituta que teria acabado de estar com um cliente num quarto de hotel. O que esta personagem sobre a qual nunca chegamos a saber sequer o nome e Diana parecem ter em comum, para além de ambas serem mulheres, é a profissão. Desta forma, percebemos o que motiva o assassino e que Diana será o próximo alvo a perseguir. Uma dessas perseguições resulta num acidente de viação grave, no qual Diana perde a visão e provoca a morte involuntária dos pais de uma criança chinesa, Chin. A cena inicial funcionou então como cena chave para o desenrolar dos eventos do filme, premeditando esta cegueira da personagem principal.
O acidente, de um dramatismo a la Argento, acaba por dar espaço a que Diana e Chin se unam e formem uma dupla que se entreajuda, algo que se torna símbolo da perda em comum. Este lado mais emocional do filme acaba por ganhar destaque face à investigação policial que se mostra, de certa forma, irrelevante. O filme foge, assim, ao género policial e deixa um pouco de parte o dispositivo da “investigação”. Não importa tanto a identidade do assassino, mas a forma como a protagonista feminina reage à sua perseguição. É um filme que se preocupa sobretudo com as questões de género e que coloca masculino versus feminino em destaque, trazendo um pouco a ideia de “donzela em apuros” de volta ao grande ecrã. Contudo, o nível de gore a que Dario Argento sempre nos habituou é mantido também aqui, e é de tirar o chapéu a Sergio Stivaletti pela forma como levou a cabo as cenas mais sensíveis para os espectadores. Quanto à cinematografia, é interessante perceber algumas semelhanças com as cores de Pedro Almodóvar, não deixando de haver referências a Brian de Palma e Quentin Tarantino. Todavia, a maior referência parece-nos ser o próprio cinema de Dario Argento, o que acaba por jogar um pouco contra o próprio filme que não prima pela originalidade.
Não foi apenas a ausência do realizador na sessão que pareceu desapontar os espectadores, o próprio filme perdeu-se um bocadinho, quer em cenas carentes de sentido, como é o caso das serpentes na água, quer em performances não muito cativantes dos atores, com uma exceção de destaque para Asia Argento, a filha do realizador, que interpreta, e bem, a doce e calma Rita que ajuda Diana a adaptar-se à nova vida, agora cega. O ritmo do filme é confuso e o público acaba por rir em momentos de suposta tensão que, de tão previsíveis, se revelam quase “patetas”.
Em suma, mesmo não sendo o regresso triunfante que se esperava, Dario Argento não deixou de receber uma enorme salva de palmas de um público fiel que continuará a ansiar os seus próximos filmes. E que sejam ainda muitos!
Inês Moreira
[Foto em destaque: Dark Glasses, de Dario Argento – © Urania Pictures S.r.l., Getaway Films]