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Pátio do Carrasco: Mitos lusitanos e assombrações kafkianas

Através de um rigor formal e um modo clássico de fazer cinema, André Gil Mata propõe-se neste Pátio do Carrasco, a contar um episódio da história do último carrasco português, Luís Alves. A média-metragem, presente na competição nacional do Indielisboa, começa com um narrador que nos dá conta da figura deste homem, cuja vida foi trespassada por peripécias e vários crimes. Por esses delitos viria a ser condenado à morte ou, como alternativa, ser condenado à tarefa de carrasco do reino. A decisão era, aparentemente, simples: morrer ou matar.

A exposição inicial da vida do algoz Luís Alves não nos prepara para o que aí vem. Um filme com poucos diálogos e um tratamento de som importantíssimo para o seguimento do que nos é mostrado ou escondido. Através dos gestos e rotinas das quatro personagens, damos conta do mistério que se adensa. A inspiração kafkiana (o filme baseia-se no conto Um Fratricídio, de Franz Kafka) faz-se perceber na temática e na fotografia do filme, mas não estaremos a exagerar se também dissermos que faz lembrar algumas obras do cinema português, de Manoel de Oliveira a António de Macedo. André Gil Mata deixa-se mesmo influenciar pelos melhores e é hábil na conceção das suas ideias. Porém, o filme parece também nunca conseguir soltar-se do formalismo da sua composição notável, não se permitindo ser invadido por outras descobertas cinematográficas.

Filmado em estúdio e contado em vários capítulos, a obra estabelece um jogo de perspetivas sobre a noite de um crime. Por vezes expressionista na fotografia e em determinados gestos técnicos – os constantes travellings e zooms contribuem para a sensação de prenúncio sobre o mal que irá ocorrer -, o filme conserva uma herança teatral devido à prestação dos atores e da misé-en-scene. Assombrado, melancólico e com laivos de terror, este pátio é filmado de maneira exímia, com cenas longas e silenciosas, que dão ideia do tempo real daquela noite e aumentam a tensão antes do crime.

Pátio do Carrasco, André Gil Mata © Rua Escura, Agente A Noite, Primeira Idade

Também de janelas se faz este filme, onde o início de cada capítulo começa justamente com o enquadramento de uma, seguido de um travelling para o interior de casa. A janela é um elemento central na arquitetura deste espaço, que permite testemunhar o que ocorreu noutro lugar (à semelhança de Janela Indiscreta, 1954), fortalecendo a ideia da visão subjetiva de cada um, desta feita através da sua janela. 

Talvez este filme faça um percurso discreto por festivais. Público e programadores estarão interessados em filmes que pensem mais o presente e as dinâmicas atuais, fazendo com que filmes de grande inspiração literária e de construção tão precisa como este, não sejam o prato forte dos festivais neste momento. Contudo, é bom saber que também se encontra vitalidade nas formas mais clássicas de fazer cinema.

Ricardo Fangueiro

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