NOVA DETERMINAÇÃO | Eufémia
Once Means Forever
Katarzyna Bińko | Polónia, 2023
Tal como o título promete, Once Means Forever reproduz em menos de 5 minutos uma noite com a possibilidade fraturante de reverberar ad infinitum. A animação esquemática, de traços e silhuetas, compele-nos a preencher os espaços vazios das figuras e formas com memórias individuais. Passamos pelas inúmeras caras desfocadas que enchem os bares e discotecas das cidades, preenchidas por medos demasiado comuns e pautadas pela batida incessante da música, compasso da ansiedade. O ponto de vista em primeira pessoa impulsiona esse mesmo universo de personalização do filme, um convite a calçar os sapatos do outro, que neste caso é a perigosa realidade de ser uma mulher num mundo de homens. Uma realidade anónima, que é perpetuada sem (re)conhecimento.
Margarida Nabais
La regla de Gala
Raquel Fernández Blázquez | Espanha, 2023
Gala’s Redline revela-se um exercício de compreensão. Explora a condição da menstruação e o estado vulnerável em que nos pode deixar. Estabelece, desde logo, um posicionamento na vida de alguém que sofre as piores consequências de ter de conviver com o período. E isto faz com que empatizemos com a personagem principal, Gala. Vivemos a sua experiência e somos colocados na sua pele. Sentimos a sua dor, o seu desconforto e o seu mal-estar. E no entanto, vemo-la colocar tudo isto em suspenso para que consiga desempenhar as tarefas quotidianas que lhe são exigidas mesmo assim. Talvez o exercício da respiração conjunta e o movimento de compreensão empática das pessoas ao seu redor sejam os únicos apaziguadores deste estado amargo que lhe parece interminável.
Catarina Gerardo
Poppy’s Saturn
Nicole Tegelaar | Bélgica, 2023
Poppy’s Saturn presenteia-nos com um universo marcadamente onírico, que nos indica, logo, o percurso paralelo da realizadora enquanto diretora de arte. É um filme de ficção experimental e musical. Dominado pelo rosa e pelo roxo, abre a porta do sonho, como se o espectador o olhasse através de um caleidoscópio.
Este sonho, no entanto, desde cedo se revela mais próximo do pesadelo. Há um tom misterioso constante, enunciado pela banda-sonora, e há figuras grotescas, piscando um olho a Only Lovers Left Alive de Jim Jarmusch, que provocam medo. Mas é sobre este tom medonho que compreendemos o filme como um hino à mulher.
Poppy, personagem principal, é uma cantora que, após ver (novamente) um homem com uma condição física particular, inicia uma viagem de processamento de um trauma passado. Nesta viagem ganha força, ou “espinhos”, e acaba por conseguir ultrapassar o trauma. Nicole Tegelaar traz-nos uma curta-metragem sobre ser mulher num mundo que é dos homens.
Inês Moreira
(in)quietude
Adriana Pereira | Portugal, 2023
O crime de violência doméstica é o mais denunciado e o que mais mata em Portugal. Dados da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género indicam que cerca de mil e quinhentas pessoas foram acolhidas na Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica em 2023. A predominância sobre as vítimas do género feminino mantém-se: 50,1% mulheres, 48,6% crianças e 1,3% homens. A curta-metragem ficcional de Adriana Pereira retrata este flagelo da realidade portuguesa. Enquanto ilustra os motivos que comumente mantêm as mulheres num relacionamento violento: o medo, a dependência financeira e a submissão, (In)quietude figura a luta quotidiana de Joana pela sua libertação. Numa primeira leitura, a prisão desta jovem mulher poderá parecer dupla. Por um lado, há a fobia que a impede de sair de casa e habitar o espaço exterior, sair da escuridão e tocar a luz (literalmente). Por outro, o peso da relação abusiva com o marido, violento e opressivo. Com o desenlace da montagem linear e diarística do filme, percebemos que a primeira era uma extensão da segunda.
João Garcia Neto
As seguintes folhas de sala são uma parceria com o CINENOVA – Festival de Cinema Interuniversitário Português
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