O 74º Festival Internacional de Cinema de Berlim começou a 15 de fevereiro e conta com produções de 80 países distintos, mais treze países do que em 2023. Dos 239 filmes em exibição, nove são de língua portuguesa (3.7%): quatro têm produção ou co-produção de Portugal e cinco do Brasil. Apesar da percentagem reduzida, os filmes de língua portuguesa apresentam-se com grande riqueza cinematográfica e prometem temáticas interessantes e reflexões sobre o cinema.
Depois da edição de 2023, onde João Canijo conquistou o Urso de Prata e louvores do público com Mal Viver (2023), Margarida Gil leva Portugal a Berlim com o filme Mãos no fogo (2024). A longa-metragem de 109 minutos tem a sua estreia mundial na programação de Encounters, uma secção inovadora que procura valorizar novas visões cinematográficas, justapondo filme, tradição e espectador.
Mãos no fogo é a única produção unicamente portuguesa a integrar a programação do festival. Com Carolina Campanela como protagonista, o filme de Margarida Gil situa o espectador ao longo do Rio Douro, numa investigação de uma estudante de cinema (Maria do Mar) de antigos solares rurais. Por entre investigações e captações, Maria do Mar é confrontada com o secretismo e violência da casa que visita, numa busca pela verdade daqueles com que coabita e do próprio cinema. O cinema regressa ao analógico com a utilização de câmaras de película e gravadores de bobine, procurando representar a essência do dispositivo no retorno às suas origens.
Mãos no fogo terá quatro exibições ao longo da segunda semana do festival, prometendo ser uma ode ao cinema, metastizada com os traços contemporâneos do filme dramático e a violência familiar como “administração do terror”.
Também na secção Encounters estão outros dois filmes de língua portuguesa, desta vez provenientes do Brasil: Cidade; Campo (2024), de Juliana Rojas, com co-produção da Alemanha e da França, e Dormir de olhos abertos (2024), de Nele Wohlatz, com co-produção da Tailândia, Argentina e Alemanha, operando num regime de fala multi-linguística e tendo como localização principal o Brasil. Cidade; Campo navega a dualidade entre o campo e a cidade, através das personagens Joana e Flávia, ao mesmo tempo que a narrativa é apoderada pela irreverência da natureza e pela luta contra o desconforto das condições de trabalho citadinas. Dormir de olhos abertos surpreende pelo elenco de atores jovens sem experiência, enveredando por uma “comédia silenciosa de falhas de compreensão que não segue uma dramaturgia tradicional”.
A competir pelo Urso de Ouro e o Urso de Prata está L’Empire (2024), uma co-produção entre França, Itália, Bélgica e Portugal. O filme de Bruno Dumont conjuga o género da ficção científica com elementos cómicos clássicos do cinema francês. Com co-produção de Rosa Filmes, sediada em Lisboa, o filme estará a competir com outros 19 e parece oferecer uma homenagem a filmes de ficção científica como Star Wars e Star Trek, com uma visão própria baseada nas terras francesas.
A integrar a secção Fórum estão duas co-produções portuguesas, ambas documentários: As noites ainda cheiram á pólvora (2024), de Inadelso Cossa, uma co-produção entre Moçambique, Alemanha, Portugal, Países Baixos e Noruega, e Résonance Spiral (2024), de Filipa César e Marinho de Pina, um filme português com co-produção da Guiné-Bissau e Alemanha. Inadelso Costa traz-nos uma “abordagem sensorial aos fantasmas, à saudade e às memórias fictícias”, recorrendo a imagens de arquivo para recriar um passado que tem como cenário de fundo a guerra civil Moçambicana: uma história contada no escuro pelo próprio realizador. Filipa César e Marinho de Pina, por outro lado, propõem uma “reconstrução da memória audiovisual do movimento de libertação da Guiné-Bissau”, estando em diálogo o arquivo, as artes performativas e a comunidade. Já no Fórum Expanded, a programação conta com Quebrante (2024), de Janaina Wagner, uma curta-metragem originária do Brasil, em forma de documentário, sobre o Trans-Amazonian BR230 Highway.
A língua portuguesa faz-se ainda representar por Lapso (2023), de Caroline Cavalcanti, uma curta-metragem que tem a sua estreia europeia na secção Generation 14plus, e por Betânia (2024), uma longa-metragem de Marcelo Botta que integra a seleção de filmes de Panorama. Enquanto Caroline Cavalcanti aborda a repressão social através da história de Juliano e Bel, Marcelo Botta coloca em confronto modernidade e tradição através do percurso e adaptação da matriarca Betânia à sua terra natal.
Em Berlinale Special, o Brasil conta ainda com uma co-produção do filme SHIKUN (2024), de Amos Gitai, conjuntamente com Israel, França, Suíça e Reino Unido, apesar de o filme não ser falado em língua portuguesa.
A 74ª Edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, que vai até 25 de fevereiro, promete um catálogo recheado de filmografia internacional em que a língua portuguesa se faz representar em seis secções do festival.
Rita Pádua