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A luta continua

L’Agnese va a morire (1976), filme dirigido por Giuliano Montaldo, foi um dos protagonistas da Festa do Cinema Italiano que se realizou em Lisboa, de 12 a 21 de Abril. Baseado no romance homónimo de Renata Viganò, afigura-se como uma peça fundamental sobre a resistência política e a luta contra o autoritarismo. Com o intuito de dar a conhecer grandes obras do cinema italiano, apresentou-se este filme, imprescindível num período tão relevante como o que atravessamos atualmente. É sempre importante rever personagens que transportam a mudança consigo. Ainda mais numa altura em que somos confrontados com a memória longínqua (mas que parece tão próxima) da opressão, na celebração dos 50 anos da Revolução de Abril de 1974. Tendo como pano de fundo uma Itália desolada durante a Segunda Guerra Mundial, deparamo-nos, desde logo, com um símbolo da resistência – Agnese, interpretada por Ingrid Thulin – mulher corajosa que luta ativamente contra a ocupação nazi de Itália.


L’Agnese va a morire, de Giuliano Montaldo – © Direitos reservados

A protagonista consegue logo que os olhos do espectador se centrem em si, pois, não obstante ser analfabeta e não entender intelectualmente o que seria o fascismo, esta falta de conhecimento contrasta com uma avassaladora sensibilidade que a move nas pequenas e grandes ações. Depois dos nazis levarem o seu marido, junta-se à Resistência como mensageira de bicicleta que entrega e concretiza os recados necessários ao movimento revolucionário.

Quer pelo belíssimo argumento de Nicola Badalucco a partir do romance de Renata Viganò, quer pela fotografia encantadora de Giulio Abonico, ou pelos cenários contemplativos de Umberto Tuco, o filme consegue fazer pulsar no espectador o sentimento de sufoco das personagens que vivem sob este regime e são oprimidas na sua liberdade e direitos democráticos. Agnese (Ingrid Thulin) , esta lavadeira de meia-idade que vive com o marido Palita (Massimo Girotti), quer representar, acima de tudo, a determinação do povo, nomeadamente na condição da Mulher, em desafiar o poder político estabelecido, na tentativa de assegurar um futuro melhor – ao ponto de morrer por esta causa.

A composição da banda sonora, por Ennio Morricone, é utilizada perspicazmente em momentos cruciais da narrativa, funcionando como adensador do ambiente tenso que se estabelece com os movimentos de ininterrupta fuga e consequente esconderijo. Entre estes movimentos, temos a espera, o desespero, o isolamento, elementos narrativos igualmente adensados por este uso combinado da música com a paisagem realista que, conjugados, instauram uma dimensão mística que se imiscui na neblina dos cenários gélidos.

Estamos perante um filme sobre o papel da força interior na mudança do que se apresenta pelo exterior. É, acima de tudo, um filme que valoriza o não-dito. Os silêncios significantes, que tropeçam no movimento de opressão quotidiano, tornam-se extremamente palpáveis no derradeiro momento final. Aqui, podemos não ouvir, mas com certeza conseguimos sentir a resistência enquanto condição deliberada e imposta pelo sujeito que luta até ao fim da sua vida.

Catarina Gerardo

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