Quem agarra na Mão da Glória, revestida de gesso, e disser “talk to me”, entra em comunicação com o mundo dos espíritos em purgatório. Se após o primeiro contacto disserem “I let you in”, são possuídos. Se deixarem passar 90 segundos sem quebrar a possessão, o espírito tem carte blanche para usar o seu corpo eternamente. Num pequeno subúrbio, algures na Austrália, um grupo de adolescentes começa a praticar estes rituais como um jogo de festa: não pelo efeito narcótico de algo como os Choking Games dos anos 2000, mas como um auto-posicionamento em perigo consciente. Claro que isto vem com a vantagem acrescida de serem enviados para um inconsciente estado performático que podem filmar (e partilhar). Jackass demoníaco que abona a favor do seu capital social.
A protagonista, Mia (Sophie Wilde), é uma adolescente que perdeu a mãe recentemente. O seu envolvimento no jogo começa como uma procura desesperada por aprovação, mas muito rapidamente se torna numa perversa terapia da sua psique danificada pela morte na família. Estes problemas levam-na a pôr a vida de amigos e familiares em risco.
Um dos pontos altos do filme é a sua captura de um momento específico da adolescência. A linha mais ténue que qualquer cineasta tem de conseguir dominar ao realizar um filme focado nesta faixa etária, é conseguir mostrar o lado constrangedor dos modos de agir e pensar específicos à adolescência, sem o espetador ficar desconfortável face ao filme em si (ao invés das personagens que o habitam).
O filme é bastante gráfico, mas o mais impressionante é a forma como, acima de ser assustador e violento, é triste. Talk to Me atinge, de forma muito genuína, deprimente e comovente, algo que se sobrepõe aos momentos extremos de violência gráfica, montagem frenética e atitudes corrosivas. Assim sucede a atingir um pico de mal-estar emocional, não necessariamente igual ao do medo (mas que com este é constantemente conjugado), presente em filmes como Lake Mungo.Em último lugar, é importante realçar que o filme consegue levar-se a extremos, sem cair num pessimismo ou crueldade niilista, que, mais que ofensiva, é aborrecida. O espetador é mergulhado num mundo perturbador e violento (um grande foco na crueldade infantil que recentemente era vista como démodé, mas agora volta em momentos como a orgia de sangue da alma penada de Riley a ser torturada numa Sodoma similar ao terceiro ato de Society do Brian Yuzna). Mas mesmo assim, nos seus pontos mais agoniantes e aterradores, a sua base acaba sempre por ter as suas vigas fundacionais numa empatia forte e uma paixão grande pelos adolescentes em sarilhos.
Vasco Muralha
[Foto em destaque: Talk to Me, Danny & Michael Philippou © Matthew Thorne]