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73ª Berlinale (2023) Berlinale Críticas

Blackberry e a crueldade da velocidade tecnológica

No final da projeção, Matt Johnson e a sua equipa subiram ao palco da sala principal do Berlinale Palast para serem aplaudidos por uma plateia divertida e convencida pelo resultado que viu na tela. O realizador canadiano acabou mesmo por confidenciar que só tinha estado na Berlinale como espectador, e que lhe diziam que nunca conseguiria ter um filme seu no festival, por estes serem demasiado divertidos e lhes faltar alguma profundidade. Em jeito de brincadeira, disse: “finalmente aconteceu, talvez porque faltavam filmes em competição e precisavam de um filme canadiano”. 

Nesta atitude reflete-se a ausência de pretensiosismo do filme, que não possui nenhuma intenção de ser mais do que aquilo que é: um filme divertido que pretende contar a ascensão e queda do blackberry de uma forma leve e engraçada.

Matt Johnson inspirou-se no livro Losing the Signal (2015), de Jacquie Mcnish,  para filmar este Blackberry, que conta, justamente, a criação deste dispositivo que revolucionou o mercado das comunicações no fim do século XX e início do século XXI. Acompanhamos os dois fundadores da Research In Motion (RIM), Mike Lazaridis e Douglas Fregin no ano de 1996, quando os dois jovens tentam vender a sua ideia, conhecido ainda como pocketlink, a Jim Balsillie. Mais tarde batizado de “blackberry” (não se explica a origem do nome, mas é dado a entender que foi algo improvisado num dos pitchings para tentar vender a um cliente), o smartphone da RIM foi o primeiro dispositivo móvel que permitia fazer chamadas e aceder à internet. 

Centrado na relação entre os dois criadores, vistos no início do filme como duas “crianças” extremamente criativas, que não tinham conhecimento empresarial suficiente para levar a cabo o potencial das suas ideias, o filme mostra-os como “nerds” viciados na cultura pop. São constantes as referências a filmes ou jogos do fim do século XX, seja nas noites de cinema organizadas semanalmente na empresa, como na roupa e acessórios das personagens. Jogos como Red Alert, Doom, Mortal Kombat, Street Fighter ou filmes como Eles Vivem (1988), as sequelas de Indiana Jones, Star Wars ou Star Trek são alusões constantes.

Blackberry, Matt Johnson © Budgie Films Inc.

Fazendo lembrar, por vezes, a série The Office, pela filmagens com câmara à mão e zooms rápidos, o filme conta uma importante parte da história da evolução tecnológica do século XXI. O momento dramático que causa a reviravolta, não só no filme, como na história da Blackberry e da RIM, é o aparecimento do primeiro Iphone em 2007. A partir desse momento, a Blackberry, que controlava cerca de 45% do mercado dos telemóveis, entra numa espiral de declínio, sem ideias suficientemente competitivas para fazer frente à Apple.

Blackberry é bem-disposto e com bons apontamentos de humor, contando de forma eficaz e apelativa a história do gigante caído das telecomunicações. Ao jeito de filmes como Social Network  (2010) (história do Facebook) ou da série The Playlist (2022) (história do Spotify), novamente temos aqui o foco na odisseia empresarial de jovens empreendedores com ideias de sucesso a ascenderem no mundo dos negócios. 

É também o retrato cruel do desmoronar de uma amizade e de um espírito livre e apaixonado que caracterizava os dois jovens. Douglas acaba por ser despedido, por ter sempre mantido o espírito infantil, enquanto Mike se torna um cinzento e carrancudo homem de negócios, apenas preocupado com o futuro da empresa. Na cena em que Douglas chega com uma cassete do filme Tartarugas Ninja (1990) para a noite de cinema e vê que os preparativos foram abandonados e a sessão cancelada, constatamos a tristeza no seu olhar sonhador ao ver que se estavam a tornar “homens sérios”. É também quando essa paixão se esvai que a empresa nunca mais encontra o rumo para se tornar competitiva.

 O que ressalta deste filme é mesmo essa noção da rápida ascensão e igualmente rápida queda a que as empresas estão sujeitas no competitivo mercado tecnológico, sobressaindo a tristeza de ver um sonho e uma amizade desvanecer-se impiedosamente.

Ricardo Fangueiro

[Foto em destaque: Blackberry, Matt Johnson © Budgie Films Inc.]

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