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73ª Berlinale (2023) Berlinale Críticas

Não há superpoderes que redimam a propaganda

Em Berlim, é o homem do momento. Vulnerável, Sean Penn partilha as suas lágrimas, a dada altura, em Superpower, avassalado pelo horror do decorrer dos acontecimentos nos primeiros meses da invasão russa na Ucrânia, para onde foi filmar seis vezes. Parece haver, nessa cena, a possibilidade de um homem que “chora o mundo”, ou a possibilidade do silêncio face à incomensurabilidade do absurdo da guerra e das ficções das ideologias e das fronteiras. Mas a expectativa do silêncio é depressa derrotada pelo ruído com que este objeto procura ser aconchegado.

Nada nos preparava para o panfleto propagandístico e autocentrado que é este Superpower, indigno de ser chamado de cinema, menos ainda de documentário. Começa-se por falar sobre o frágil esqueleto da ideia inicial (documentar a transformação de Volodymyr Zelensky de ator amado pelas esferas populares de todo o território da ex-URSS a presidente da república na Ucrânia). Rapidamente, depois de um vaivém de acontecimentos narrados pelas televisões norte-americanas, o objeto torna-se crónica (da equipa de filmagem) durante os dias que antecederam e procederam o dia da invasão russa e torna-se, ainda, elegia de estilo publicitário sobre ucranianos (dos jovens cadetes às mulheres que aprendem a defender-se). 

Não deixa de ser curioso que, numa montagem que torna previsível, mas faz aguardar com expectativa o encontro entre os dois atores ocidentais (Penn e Zelensky), esta reunião, feita 15 horas após a entrada do exército russo, aconteça sem nada de especial, nem química, merecedora de nota. Mais dois encontros se sucedem, e Zelensky aproveita o seu palco para urgir a celeridade do fim da guerra, viável com mais armas.

 Sean Penn na conferência de imprensa esta manhã © GETTY IMAGES

Na manhã deste sábado, dia 18, o corealizador norte-americano utilizou a conferência de imprensa para bater na mesma tecla e pedir à NATO mais armamento e mais sofisticado, nomeadamente mísseis de longo alcance de grande precisão. Trata-se de estar “do lado certo da história”, insistiu hoje Sean Penn, embora no filme o tivéssemos ouvido falar do poder do… “amor”. Parece ser esse, afinal, o seu grande objetivo com a sua presença central no filme e agora na Berlinale – marcar o seu lugar na História, à semelhança de Putin ou Zelensky. As suas palavras não comovem e as imagens dos cadáveres impressionam, mas pelo aproveitamento vergonhoso da sua montagem sensacionalista.

Uma observação final deve ser feita aos planos filmados à altura dos copos de uísque – há, no enquadramento dos copos e de Sean Penn, que fuma e bebe constantemente ao longo de Superpower, uma expressividade que reflete a sua humilde impotência e humanidade, longe de qualquer superpoder.

Flávio Gonçalves

[Foto em destaque: Superpower, Sean Penn e Aaron Kaufman © ANADOLU AGENCY/GETTY IMAGES]

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