Grand Jeté, de Isabelle Stever, exibido em estreia mundial na secção Panorama da Berlinale, coinfigura uma adaptação do romance Fürsorge de Anke Stelling, com guião de Anna Melikova. O filme segue Nadja (Sarah Nevada Grether), uma bailarina excessivamente dedicada ao ballet, sem muito tempo para outras coisas.
O seu corpo foi forçado a suportar pressões prolongadas e ressente-se: os dedos dos pés sangram e a pele do pescoço desenvolveu eczema. Nenhum sinal de aviso é suficiente para travar Nadja na subjugação de tudo ao desejo de superar o próprio corpo que, apesar do esforço, deixa de se aguentar por si mesmo – é-lhe recomendado o uso de uma bengala; recomendação que ela ignora. Este corpo é atormentado pela necessidade de se escapar, de ser algo mais sem, contudo, saber o quê. A bailarina busca a libertação da prisão que criou para si mesma, iniciando a exploração de outras possibilidades.
Emil von Schönfels, Sarah Nevada Grether, © brave new work
Procurando uma direção, como indica a sinopse do filme, Nadja regressa à casa da mãe, Hanne (Susanne Bredehöft). Voltar ao seu lugar de origem, sítio que abandonara há muito tempo, significa conhecer o filho que deixara ao cuidado da mãe desde que o tivera, ainda enquanto adolescente, para se dedicar ao ballet por inteiro. Mario (Emil von Schönfels) é já um adolescente ele mesmo, e dedica-se também com devoção ao corpo que possui, dividindo o seu tempo entre a escola e o ginásio. Na casa de família, é ele que agora ocupa o quarto que outrora pertencera à mãe, e onde ainda restam vestígios dessa infância passada.
Emil von Schönfels, © brave new work
Nadja e Mario nunca teriam à partida uma relação típica de mãe e filho. Apesar disso, a intimidade que desenvolvem não é expectável para a audiência. Isabelle Stever, em entrevista ao Berlinale, descreve-os como espelhos – refletindo-se mutuamente, um parece descobrir-se a si mesmo através da exploração do outro. Os seus corpos são a forma de comunicação que encontram. Tudo se passa através dos seus corpos, toda a história é contada a partir deles. A câmara paira em torno de Nadja, por vezes muito perto de todas as feridas abertas, outras de uma perspetiva ligeiramente acima da sua cabeça – cria-se um jogo de proximidade e distância que, contudo, não facilita a tarefa do espectador de tentar entender o que move esta personagem. Mãe e filho envolvem-se sexualmente, para satisfação de ambos, sem que qualquer limite moral seja debatido. A cena em que Mario leva Nadja a um pequeno bar onde decorre um concurso serve de transição para esse cenário em que a relação entre os dois se torna indefinido perante os padrões comuns. O concurso consistia em segurar um peso de 10kg com o pénis e Mario é o vencedor. A partir daí, os dois tornam-se progressivamente mais íntimos, reconhecendo esses corpos doloridos também como fonte de prazer. A realizadora confessou a sua preocupação em que as cenas de sexo fossem sensuais, porém não românticas nem eróticas. Há um cuidado notório (ou até uma certa delicadeza) na forma como Stever tratou este tema. Sob a sua orientação, Sarah Nevada Grether e Emil von Schönfels representam os seus papéis de forma notável.
Em Grand Jeté, Mario parece ter levado Nadja a passar por uma metamorfose na qual entende o que é ser mãe, através dessa relação que causa estranheza constante. Contudo, esta mãe parece ter encontrado certo conforto num lugar anormal. A inversão peculiar dos papéis a que se assiste é de difícil encaixe no mundo, e a imaginação aflige-se ao espreitar as brechas que é possível rasgar na moralidade. Estas personagens agarram-se ao corpo com uma curiosidade mórbida e insaciável. Talvez nos reste apenas observar as suas explorações e ouvir as perguntas que nos fazem.
Vera Barquero
[Foto em destaque: Sarah Nevada Grether, © brave new work]