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Folhas de Sala

Do invidual ao colectivo: a luta feminista mexicana pela lente do Colectivo Cine Mujer

Y Si Eres Mujer? (1976)

O título ecoa o questionamento que se impõe na curta-metragem de animação de Guadalupe Sánchez Sosa, integrante do colectivo de cineastas feminista Cine Mujer, fundado no México em 1975. Y Si Eres Mujer reitera, nos seus resolutos 7 minutos de duração, como a educação molda as expectativas individuais e exteriores sobre o que é ser mulher. A viagem desde o nascimento à vida adulta, em que o léxico da feminilidade e os rótulos de «menina», «mulher» e «senhora» abarcam fronteiras definidas e perspectivas reduzidas desde o momento do parto. 

Y Si Eres Mujer? (1976), de Guadalupe Sánchez Sosa © Direitos Reservados

Através da colagem, técnica mais que apropriada no retrato de uma vida que é, maioritariamente, uma manta de retalhos tingida pelos laivos do patriarcado e convenções sociais pré-estabelecidas pelos papéis de género vigentes, Guadalupe Sánchez Sosa traça, num registo experimental, a importância de se devolver (ou conceder) a autoridade do corpo à própria mulher. A mão de Guadalupe aparece guiando os passos expectáveis e ecoa-se na animação que se vai transmutando de inocente a cáustica, as dores de crescimento. A certa altura, a personagem confronta-se com o seu reflexo, rodeada por um espólio de batons e maquilhagem, reforçando a opressão exercida ao corpo pelo próprio corpo. Ao fundo, a canção indelével da chilena Isabel Carra é estampada no movimento, acompanhado a curta ao clímax num rasgo de cor sobre imagens que sublinham a variedade de esferas onde a objectificação da Mulher se reproduz. 

Vicios en la cocina, las papas silban (1978)

Da realizadora brasileira radicada no México, Beatriz Mira, surge Vicios en la cocina, las papas silban. As reivindicações de Y Si Eres Mujer? afunilam-se num retrato fechado a quatro paredes do dia de uma dona de casa. A névoa da rotina e do atordoamento quotidiano é racionalizado. Esta repetição é contida sobretudo na cozinha, espaço que se acumula, tornando-se demasiado pequeno para as actividades que lá se sobrepõem em simultâneo.

Vicios en la cocina, las papas silban (1978), de Beatriz Mira © Direitos Reservados

Num preto e branco que remete à nouvelle vague e num cinema doméstico comum a Vardas ou Akerman, Beatriz Mira transforma a casa num espaço de labuta. Valoriza-se o trabalho doméstico como trabalho — o plano contrapicado do frigorífico ou o close-up no liquidificador firmam-nos como totems inultrapassáveis do dia a dia. A voz off vem rematar o paradigma usual do documentário em que se narra os actos. Em Vicios en la cocina, a voz é da protagonista que reflete sobre a sua vida enquanto dona de casa, chefe de família inaudita — nos dois sentidos —, que reflete sobre o seu tédio e inseguranças. 

No final, um excerto do poema Lesbos de Sylvia Plath destoa do resto. O doméstico separa-se do domesticável, os papéis de mãe, esposa e mulher se fundem e confundem. Cede-se ao arregalar-se que surge como tarefa, uma ária à repetição:

«Now I am silent, hate

Up to my neck,

Thick, thick.

I do not speak.»

Yalaltecas (1984)

O primeiro documentário de Sonia Fritz, Yalaltecas, ruma ao alto das montanhas de Oaxaca. Das paredes cercadas de uma casa, chega-se ao seio de um colectivo de mulheres indígenas que, depois de anos de opressão, tomaram a Revolução pelas próprias mãos. O estilo documental clássico, com narração e intertítulos que separam cada uma das áreas de intervenção onde as mulheres Yalal intervieram permite o mergulho na condição feminina de um México mais profundo.

Yalaltecas (1984), de Sonia Fritz © Direitos Reservados

Filmada a 16mm, a ação da União de Mulheres Yalaltecas põe a mulher em primeiro plano em todos os sentidos – as entrevistas 1 – 1 com a líder da União, os planos em que se revelam o seu legado junto da escola técnica, da banda, das festas da aldeia, da puericultura. Sonia Fritz atribui um lugar especial a Yalaltecas na sua filmografia, considerando-o o filme que lhe fez despertar a necessidade de resgatar a histórias de mulheres e deixá-las contá-las em primeira mão.

Kenia Pollheim Nunes

[Foto em destaque: Vicios en la cocina, las papas silban (1978), de Beatriz Mira © Direitos Reservados]

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