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72ª Berlinale (2022) Berlinale Festivais de Cinema

Encantamentos e deceções nas curtas da Berlinale

As seleções das curtas da Berlinale para o Urso de Ouro continuam a impressionar pela variedade temática e visual. Mars Exalté apresenta-nos sequências intercaladas entre um homem que dorme profundamente e a cidade que amanhece.

O filme de 18 minutos dura o necessário para nos cativar e agarrar às imagens que passam, fazendo-nos desejar que o seu tempo se estenda um pouco mais. Contudo tem a duração perfeita, pois mostra tudo o que precisamos de ver. Sem vozes ou diálogos, os movimentos musicais acompanham-nos na madrugada que termina. A cidade vai acordando devagar, progressivamente mais movimentada. A sua luz vai naturalmente mudando, passando por um espectro de cores delicadas, como é característico da transição da noite para o dia. Jean-Sébastien Chauvin, realizador francês, interessa-se por esses momentos do alvorecer, que define como mágicos. Assim, colocou-os em interação com alguém que dorme embalado nos seus sonhos, momentos mágicos pessoais. Despido no seu quarto escuro, o homem movimenta-se no sono e a imaginação pergunta-se: “é o homem que sonha com a cidade ou a cidade que sonha com ele?”

Vimos ainda Manhã de Domingo do brasileiro Bruno Ribeiro, ele que vencera o ano passado, o prémio de curtas no DocLisboa, com Gargaú (2021). A Berlim, o realizador traz a história de Gabriela (Raquel Paixão), pianista prestes a apresentar-se no seu primeiro grande recital. Um sonho com a sua recentemente falecida mãe deixa-a inquieta e fá-la navegar entre memórias e visões fantasmagóricas. Há um deslocamento da sua perceção da realidade que a leva a sonhar acordada e a reencontrar a mãe para com ela se reconciliar. Um filme sobre a dor e a aceitação do processo de luto, que culmina na cena extraordinária do recital de Gabriela em que ela toca piano com uma entrega impressionante.

Manhã de Domingo, Raquel Paixão © Wilssa EsserA person playing a piano

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Já o 3º grupo de curtas selecionadas pela Berlinale são um pequeno dissabor. Apesar das premissas ambiciosas, fica por cumprir a satisfação que pareciam prometer. Maria Estela Paiso traz-nos das Filipinas o seu primeiro trabalho cinematográfico, It´s Raining Frogs Outside. O filme é um retrato íntimo de sensações geradas pela necessidade de voltar à terra natal devido àquilo que é apresentado como o fim do mundo – a pandemia, retrabalhada no filme como uma chuva de sapos. Com uma experiência extensa em pós-produção, a jovem realizadora trabalha com digitalizações de objectos e fotografias de espaços pessoais, combinando-os com animações 3D. O trabalho visual é detalhado e bem executado, contudo o filme sofre devido à amálgama de experiências imagéticas que tenta ser. 

Por fim, uma produção russa, Trap, dá-nos a conhecer um grupo de jovens perdidos nos seus excessos – álcool, droga e violência. Há uma narrativa que tece as circunstâncias em que se encontram, porém tal não é muito perceptível. A empatia perde-se, de certa forma, pois o filme carece de uma estrutura mais unificadora entre os diferentes segmentos da vida desses jovens. Fica assim dispersa a história que poderia ter sido tratada de uma forma cativante. 

Estes trabalhos provocam um misto de sensações, característico das múltiplas subjetividades que o cinema acolhe. Agridoce foi ao que soube esta conjunção de curtas-metragens apresentadas ao 4º dia do festival. 

Vera Barquero

[Foto em destaque: Mars Exalté, Alain Garcia Vergara © Venin Films]