Em 2013, Rithy Pahn dirigiu A Imagem Que Falta, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e ganhador do prêmio Un Certain Regard no festival de Cannes, o longa apresenta a curiosa técnica de utilizar estáticas figuras de argila para reencenar os horrores do Khmer Rouge no Camboja e os desafios da pequena indústria cinematográfica do país. Em Everything Will Be Ok, Rithy Panh volta a usar a mesma técnica, mas complementando a mis-en-scène com um estilo ainda mais intenso de mesclar as figuras de argila com outras imagens documentais de nosso mundo.
Em grande intertextualidade com a história da arte e do cinema, recriando na tela quadros de Marc Chagall, Frida Kahlo, Edward Munch, entre outros. Além de pedaços de outros clássicos da história da 7ª Arte, como Voyage dans la Lune (1902) de Georges Meliès, Les Sangs des Bêtes, de Georges Franju (1949) e Metropolis (1927), de Fritz Lang.
No entanto, Everything Will Be Ok é um filme desafiador. É preciso coragem para vê-lo. É preciso coragem para permitir-se transformar por seu discurso. Rithy Pahn faz aqui uma analogia agressiva sobre o surgimento dos fascismos, o fascismo ainda presente nos dias de hoje e para os quais não temos soluções fortes a curto prazo. À la George Orwell, as imagens mostram uma revolução de javalis, macacos, leões e outros animais que escravizam a raça humana e fazem com nós exatamente o que fazemos com eles. Experimentos, escravidão e subjugação de forças. Apesar do movimento estático das figuras de argila, o longa, por meio de um registro de multitelas, e em justaposição, apresenta diversas imagens documentais do holocausto animal do mundo contemporâneo. Muitas vezes, a metalinguagem lembra o Numéro Deux, de Godard. Assim como no clássico revolucionário, aqui também há um discurso e o questionamento do poder da imagem frente aos espectadores, inclusive com auto-crítica do cambojano. O rei javali tem mãos de ouro, como Midas. Ele grunhe constantemente enquanto uma narração em Voice Over promove discussões sobre o poder e a ideologia. Acompanhamos também imagens de Hitler, Stalin e Pol Pot, além das atrocidades que eles cometeram.
Não é um filme fácil. As discussões são densas, e misturam-se com os pensamentos dos personagens, questionamentos do realizador e poesia. Os humanos, sempre que aparecem, estão com os olhos assustados. Poderia ser um interessantíssimo filme político, mas o longa parece deixar tudo perder quando mostra uma crítica sútil, não muito reflexionada, sobre a vacinação contra o atual do novo Coronavírus. Nesse momento, que de tão breve até dá impressão que o próprio realizador estava inseguro quando a inseriu. Não basta a estética inovadora se a discussão promovida se alia a discursos conspiratórios.
Um dos últimos debates do filme é sobre a ingenuidade e a arte naïf. Muitas vezes a ingenuidade é quase uma virtude, quando associada à defesa de valores idealistas de transformação social, que a converte em potência política. A arte naïf, apesar de não ser a mais valorizadas das artes, tem grandes representantes como a brasileira Djanira. Entretanto, aqui esse discurso autoconsciente é evocado quase como uma desculpa para qualquer possível besteira cometida – como é o caso da crítica à vacinação. Autoconsciência, entretanto, não é o suficiente para desculpar-se, neste caso.
Francisco Barbosa
[Foto em destaque: Everything Will Be OK, Rithy Panh – © CDP, Anupheap Production]