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72ª Berlinale (2022) Berlinale Festivais de Cinema

La ligne e os limites esbatidos das fronteiras pessoais

La ligne, filme de Ursula Meier em Competição no Berlinale, abre com o seu próprio género de big-bang, numa cena que não deixa dúvidas sobre a temática principal que vai explorar. Em slow motion, ao som de música clássica, assistimos a um momento crítico de agressão física infligida por Margaret (Stéphanie Blanchoud) à sua própria mãe.

Não ouvimos sobre o que discutem, mas a razão também não é importante. Nesses primeiros minutos, testemunhamos a principal explosão da obra, a partir da qual irradiarão as várias ondas de violência que a marcam. 

Como consequência do incidente, Margaret é subjugada a uma ordem de restrição que a proíbe de se aproximar mais do que 100 metros da progenitora e da sua casa de família. Como lhe diz o juiz, “100 metros significam 100 metros” e é com essa frase que surge a derradeira linha, lugar simultaneamente transmutável e fixo, palco de todas as tensões. Pouco a pouco, deixa o seu momentâneo cumprimento metódico das regras, para testar os limites da distância. Se observar a família nas câmaras de vigilância do supermercado onde trabalha, tecnicamente continua afastada, certo? Se falar com o novo namorado da mãe, sem se identificar, não ultrapassa os 100 metros, certo?

Elli Spagnolo, La ligne © 2022 BANDITA FILMS / LES FILMS DE PIERRE / LES FILMS DU FLEUVE / ARTE FRANCE CINEMA / RTS / RTBF (Télévision belge) / VOO et BE TVUma imagem com exterior, céu, relva, terra

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Ursula Meier explora uma vez mais complexas dinâmicas familiares e problemáticas figuras maternas, à semelhança do que fez em Home e Sister, recipiente de um Urso de Prata. Em La ligne, parte em específico da ideia pouco explorada da violência feminina, recusando-se a responder à exigência compulsiva da existência da culpabilidade individual. Oferece, em contrapartida, múltiplas perspetivas, ainda que estas sejam, por vezes, unidimensionais. No melodrama da personagem de Valeria Bruni Tedeschi, ela é pouco mais do que o arquétipo da madrasta malvada, presa no papel de mãe porque, infelizmente, as filhas são de facto suas. Sendo um exercício preguiçoso nesta frente, torna-se consequentemente mais fácil o esbatimento da distância entre vítima e agressora, o que, afinal, é o objetivo da realizadora neste conto de trauma herdado.

Valeria Bruni Tedeschi, La ligne © 2022 BANDITA FILMS / LES FILMS DE PIERRE / LES FILMS DU FLEUVE / ARTE FRANCE CINEMA / RTS / RTBF (Télévision belge) / VOO et BE TVUma imagem com pessoa, vestuário

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Contudo, nos planos gerais das montanhas, as especificidades não interessam a Meier e é posta em evidência a amplitude da problemática. A câmara faz dos dois lados da linha o seu campo de reflexibilidade, ao trabalhar este espaço físico e o que delineia como conceito, no que é o elemento mais honorável da obra. A partir do momento em que Marion, irmã mais nova, pinta a linha no chão, naquele forte tom de azul, a consciencialização sobre a sua presença é alterada e progressivamente influenciada por esta âncora visual e metafórica. Manchada de sangue, é o símbolo de violência familiar. Quando começa a desvanecer, também Margaret o faz. Regressa, apenas, na potência da única herança positiva da mãe, o elemento que une as personagens – a música. Finalmente completa a melodia que tenta escrever ao longo do filme e, ao cantá-la, parece que esgota as palavras, fazendo do silêncio a sua nova armadura. A linha azul pode ter desaparecido, mas surge aquela que a obra nos obriga a desejar desde a sua primeira cena. Isto é, a previamente impossível fronteira pessoal entre o corpo, os impulsos agressivos, e o mundo ao seu redor.

Margarida Nabais

[Foto em destaque: Stéphanie Blanchoud, La ligne © 2022 BANDITA FILMS / LES FILMS DE PIERRE / LES FILMS DU FLEUVE / ARTE FRANCE CINEMA / RTS / RTBF (Télévision belge) / VOO et BE TV]