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72ª Berlinale (2022) Berlinale Festivais de Cinema

Notas sobre o júri

A Berlinale abriu hoje com uma sessão de Q&A com o Júri do Festival. O presidente é M. Night Shyamalan, e o restante é composto por Karim Aïnouz, Saïd Ben Saïd, Anne Zohra Berrached, Tsitsi Dangarembga, Riûsuke Hamaguchi e Connie Nielsen.

A sala, mais vazia que o normal devido às restrições do Covid-19, acabou por criar um ambiente mais íntimo que o habitual, em que os membros do júri puderam falar sobre suas paixões a respeito dos filmes e do cinema. Os tópicos da conversa giraram em torno de suas primeiras experiências com o cinema.

A maior parte declarou ter começado a ver filmes pela televisão – já não estamos mais na geração de cineastas formados exclusivamente por experiências em salas de cinema. Dentre essas histórias, a mais notável foi a de Tsitsi Dangarembga, que declarou que em Zimbawe o cinema não era acessível para negros, como ela, com a exceção de cinemas drive-in, onde justamente pelos espectadores ficarem em seus próprios carros, não se misturavam com os brancos.

Também foi interessante o relato de Shyamalan, que contou de sua primeira aventura no cinema, o filme Raiders of the Lost Ark, quando chegou em uma sala absolutamente assustadora para um menino ainda muito jovem, impressionado com as estátuas do lugar. Apavorado pela exuberância do espaço, uma família desconhecida o acolheu e lhe comprou pipocas.

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Connie Nielsen sempre teve uma família ligada à indústria, mas mais à parte da exibição. Sua mãe lhe levou para assistir Christiane F., na esperança que esse filme chocante prevenisse que ela embarcasse em qualquer atividade ilícita. Entretanto, foi justamente a visceralidade presente nesta obra que a instigou a investigar mais o processo artístico.

Depois disso, o debate foi sobre o papel de um Festival de Cinema como a Berlinale. Ryûsuke, sempre em japonês, elogiou a filmografia de Shyamalan ao dizer que suas obras representam a mistura perfeita entre arte e indústria. E salientou que o papel mais importante do porte da Berlinale é o sentimento de “warmth”, que penso que seria bem traduzido à palavra portuguesa “ternura”. De fato, na perversa intimidade da sala de cinema, um espectador pode compartilhar seus mais deliciosos sonhos ou pesadelos com outros, e assim se sentir mais acolhido em sua própria fantasia. Ryûsuke também afirma não saber ainda sobre quais critérios julgará os filmes.

Karim criou um relevante contraponto: não deveríamos encarar essa discussão entre o mainstream e o artístico. Festivais são interessantes para descobrir coisas novas, novas vozes e maneiras de se contar uma história. A questão mais importante não é criar pontes entre o comercial e o industrial, porém descobrir originalidades. Diretores desenvolvendo sua própria caligrafia.

A partir daí a mesa começou a ponderar por que existe essa separação, e quando ela começou. Hitchcock, por exemplo, seria arte ou indústria? Aparentemente, o consenso é esse: em algum momento a separação ocorreu – quase uma visão gnóstica de mundo. Não sabemos ao certo quando, mas até os anos 50 ainda não existia. Agora me pergunto: terá sido na ruptura inaugurada pelas novas ondas? Rossellini uma vez declarou que o objetivo nunca foi realizar uma ruptura, apesar de que ela ocorreu. Tsitsi, com sua doce voz, anuncia: o fato é que o cinema de hoje em dia, em sua maior parte, prefere não entrar em política. Mas os filmes da Berlinale são distintos. São baseados em questões.

Eu gostaria de ter feito uma pergunta, mas não tive a oportunidade, então coloco aqui nesse texto. Se estamos de acordo que o cinema tem a potência transformadora para a mudança, a questão passa a ser: qual mudança que necessitamos, quais as direções, o que queremos? Afirma-se da filosofia que ela é mais importante para colocar dúvidas que respostas. Então cabe a nós individualmente agora conseguir uma reflexão sobre isso, já que a pergunta, afinal, não foi respondida pelo excelentíssimo júri. 

Shyamalan concluiu: nem todo filme tem o poder poético de criar algo fresco, mas os da Berlinale sim. Porque o público de festivais de cinema está preparado para ser transformado. Arte muda perspectivas, valores e visões de mundo. Eu adicionaria: oxalá que consigamos ter a coragem necessária para sair dessa experiência diferente.

[Upper photo: © Bundesregierung / Guido Bergmann]