Categorias
Folhas de Sala

Rebentos: Mostra Internacional de Cinema Emergente – Sessão 2

Poster de O Mar Já Não Pára Aqui, de Pedro Augusto Almeida © Direitos Reservados

O MAR JÁ NÃO PÁRA AQUI, 2020

Um filme de PEDRO AUGUSTO ALMEIDA

Neste documento singular sobre o estuário do Sado, trabalha-se o equilíbrio entre um ecossistema afetado pela pegada humana e a rotina de quem retira dele o seu sustento. A apanha de marisco, tão antiga como a presença do homem na zona da “caldeira”, serve também como motivo para um olhar sobre a paisagem, um mundo natural onde permanecem indícios de uma grandeza anterior, alguns prédios ao longe, percursos entre destroços de embarcações. Da memória do garum romano (uma pasta de peixe salgado famosa no mediterrâneo) à mais recente abundância de ostras, afetada pela poluição, o trabalho diário nesta zona fértil continua, hoje, a ter os seus protagonistas. Uma destas presenças, que surge desde o mar, parece sugerir que – apesar do ímpeto destruidor do homem – é possível viver em harmonia com a natureza, respeitar os seus ciclos, devolver o que se tirou a mais e contribuir para a sua regeneração.

Afonso Matos

Hocchey Ta Ki? (What Is Happenin?), de Om Singh, Monjima Mullick, Sneha Das, Sawanti Das © Direitos Reservados

HOCCHEY TA KI? (WHAT IS HAPPENING?), 2021

Um filme de OM SINGH, MONJIMA MULLICK, SNEHA DAS, SAWANTI DAS

É ao pôr as mãos à cabeça, em jeito de preocupação, que a personagem masculina de Hocckey Ta Ki? descobre o objeto perdido que dá origem a esta pequena viagem de 2 minutos.

Um objeto perdido. Uma desarrumação total. Uma mulher irritada. É do humor que parte esta narrativa simples que nos irrompe como uma lufada de ar fresco. Um episódio comum, que poderia acontecer a qualquer outro casal, em qualquer outra casa, em qualquer outra parte do mundo.

A animação em stop-motion é inteligente, e parece jogar muito bem com os sons particulares e com as cores vibrantes dos objetos, transportando-nos para dentro daquela pequena casa algures na Índia.

Hocckey Ta Ki? é uma viagem que, apesar de pequena, se mostra muito acolhedora e bem conseguida, aquecendo o coração do espectador e relembrando que o cinema pode ser isto mesmo: um lugar de calor.

Inês Moreira

Poster de Emma Forever, de Léo Fontaine © Direitos Reservados

EMMA FOREVER, 2019

Um filme de LÉO FONTAINE

O género coming-of-age foi muito querido no final dos anos 90/início dos anos 2000. A curta-metragem de Léo Fontaine, um coming-of-age atual, mostra um lado diferente destes filmes de adolescentes, onde a tecnologia e as redes sociais ocupam um lugar de destaque.

Emma Forever revela-se próximo do espectador, logo desde os primeiros minutos, transportando-nos para o universo dos filmes de Larry Clark e de séries como Skins e Skam. Todos nós já fomos adolescentes apaixonados. O que muda aqui é a geração, são os aparelhos que permitem o contacto entre os adolescentes, que querem isso mesmo: conectar-se uns com os outros. Estes dispositivos são contraditórios pois parecem permitir a aproximação dando a estes jovens mais opções de contacto, substituindo, por outro lado, o contacto físico e presencial.

Em Emma Forever somos guiados por Ugo e pelos seus dois melhores amigos: Bram e Karim. Três personagens que se revelam à margem daquele a que podemos chamar o grupo popular, no qual se encontra a Emma que dá origem ao título. Ugo apaixona-se por Emma e fantasia com ela no seu quarto, como qualquer outro adolescente apaixonado pela primeira vez. A dança que faz é uma dança comum, é uma dança simbólica da viagem que é sentir borboletas na barriga pela primeira vez.

Emma Forever abraça-nos e transporta-nos para a nossa própria adolescência. É a nostalgia que o torna tão memorável.

Inês Moreira

2610 – Bairro Zambujal, de Hugo Barros © Direitos Reservados

2610 – BAIRRO ZAMBUJAL, 2019

Um filme de HUGO BARROS

A vida no Bairro não se vive de uma forma, não se vê de uma cor, não se resume a um momento e não se sente a não ser no Bairro. E Hugo Barros sabe-o tão bem como sabe do poder das imagens, conseguindo iludir-nos ao nos fazer pensar por breves momentos que estamos também nós ali, a celebrar e dançar com aquelas crianças, aqueles homens, aquelas mulheres, aquela comunidade.

2610 – Bairro Zambujal é, mais que um retrato de uma comunidade, um convite que Hugo faz ao olhar exterior para admirar os rostos, as vozes, os sorrisos e a vida de quem vive no bairro onde cresceu. E são tantos os sorrisos que dificilmente se sai deste filme sem sorrir também e sem a vontade de poder partilhar do espírito que une estas pessoas, vindas de lugares tão diferentes.

Por isso deixemos os preconceitos, “a discriminação” (palavra que mais se houve no filme), e olhemos para a forma como se vive periferia da cidade, lutando contra a opressão com um sorriso na cara e vivendo em conjunto, num mundo em que cada vez mais se rege cada um por si.

Nuno Cintra

Poster de Thunder, de Jane Nagler © Direitos Reservados

THUNDER, 2021

Um filme de JANE NAGLER

Uma curta-metragem que evoca a superação da perda através da imaginação. Recorrendo a elementos da cultura popular associados à viagem – uma bússola, um mapa, um telescópio, etc. – somos chamados a entrar na atmosfera criada por esta criança, mesmo que transpareçam dúvidas quanto à causa que leva à sua partida ou ao objetivo dessa travessia marítima. Só pouco antes do aparecimento da tempestade se torna clara a relação do pequeno protagonista com uma figura ausente, que ele espera encontrar na luz do pólo norte. A passagem da imersão na água, em que termina a viagem imaginada, para o espaço doméstico permitirá reconhecer a importância da mãe desaparecida, que se torna presente, ainda, materializando-se na luz. É no regresso a casa que o confronto com a perda ganha uma outra dimensão. Toda a construção do espaço cénico e da narrativa culmina nessa sensação de que a imaginação – tão desenvolvida nos mais jovens – possui propriedades que a tornam capaz de subverter a realidade, ou pelo menos, pacificar o sujeito das suas feridas mais profundas, antes de este regressar, por fim, à normalidade quotidiana.

Afonso Matos

Poster de Merlich Merlich, de Hannil Ghilas © Direitos Reservados

MERLICH MERLICH, 2021

Um filme de HANNIL GHILAS

A gravidade despoletada pela morte retratada nas primeiras imagens vai sendo, progressivamente, suspensa com recurso à comédia ligeira e aos pequenos prazeres deste mundo urbano algo marginal. A figura do patriarca desaparecido parece, à primeira vista, semear o caos e a tristeza nesta comunidade islâmica de Marselha, mas tudo o que se segue – o fluxo de acontecimentos que marca a sua vida – faz com que conheçamos melhor alguns dos membros do grupo e nos interessamos, primeiro pelos seus gostos, depois pelos seus problemas. Entre as desgraças que acontecem, o acidente de carro transforma-se numa espécie de catarse através do ato de destruição. Ao contrário das pessoas, os bens materiais são recuperáveis e por isso não devemos preocupar-nos, quantas vezes demonstrando excessivo zelo, com a sua perfeição. Eis uma das coisas que esta curta-metragem poderá querer dizer. Mas se é importante esse desapego, não o deixa de ser também a recuperação do carro, no final, e a forma como ela desemboca na fala que dá título ao filme.

Afonso Matos

Nota: A folha de sala inclui textos de autores que não pertencem ao CINEblog IFILNOVA.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *