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Folhas de Sala

Rebentos: Mostra Internacional de Cinema Emergente – Sessão 3

Rebentos é uma mostra de cinema que pretende apresentar o trabalho de jovens realizadores de todo o mundo. A mostra parte de uma iniciativa da Claraboia, uma iniciativa conjunta das associações A3 Apertum Ars e Dínamo que pretende dinamizar a cultura emergente no Concelho de Sintra, acolhida pela Casa da Juventude da Tapada das Mercês. Ao longo da mostra serão exibidas mais de 34 curtas-metragens, divididas em 7 sessões, que nos mostram diferentes géneros, técnicas e realidades sociais.

Poster de Palavras Gastas, de Maria Giraldes © Direitos Reservados

PALAVRAS GASTAS, 2020

um filme de MARIA GIRALDES

A partir do poema “Adeus” (1950) de Eugénio de Andrade, Palavras Gastas chega como ilustração daquele que é um tema comum ao espectador: a separação. O filme acaba por refletir sobre o seu próprio género: quando as palavras deixam de ser suficientes, a animação ganha lugar. Os dois peixes que Maria Giraldes anima servem para nos guiar nesta viagem e parecem refletir diretamente uma parte do poema de Andrade:

“Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes

verdes.

E eu acreditava.

Acreditava,

porque ao teu lado

todas as coisas eram possíveis.” 

Mas agora já nada parece possível. As palavras nada mais são que uma metáfora para os sentimentos, os sentimentos estão gastos – “antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro” – e agora o que resta? 

“Não temos já nada para dar.

Dentro de ti

Não há nada que me peça água.

O passado é inútil como um trapo.

E já te disse: as palavras estão gastas.”

Uma bela forma de nos trazer este tema pelo qual praticamente todos nós já passamos, ainda que de formas diferentes. Nesta água temos contidas as diversas correntes, correntes que representam as diversas formas de ultrapassar uma separação e as diversas formas como esta nos pode afetar. 

Inês Moreira

Poster de Blood, de Saeid Khajenoori © Direitos Reservados

BLOOD, 2021

um filme de SAEID KHAJENOORI

Uma blusa no chão. Fragmentos de louça quebrada. Uma moldura partida. Uma garrafa de vodka vazia. Um cinzeiro. Um telefone a tocar. Uma ventoinha. Um close-up de uma mão. É assim que abre Blood do iraniano Saeid Khajenoori que demonstra mestria ao usar estas imagens para nos introduzir à história, a qual se ocupa de muito pouco diálogo. Os planos parados dos objetos conversam com o espectador que passa o filme todo a tentar juntar as peças do puzzle. 

Um homem de meia idade tenta recuperar da perda da sua mulher, mas o sangue que acredita escorrer-lhe pelo nariz não deixa. Tenta ir ao hospital mas ninguém o parece levar a sério. Apesar do nome e da descrição do filme, o espectador não vê nunca o sangue. Esta ausência representa uma dor que não é visível, uma dor que provém da alma e e a corrompe, infelizmente, até à morte.

“What is the cause of death?/ It seems he had a hard bleeding./ A hard bleeding? What do you mean?/ Nothing”. O filme apresenta uma estrutura circular sendo que o seu final rima com o início. Mas no lugar de todos aqueles objetos, vemos apenas o telefone a tocar que corta para um corpo sem cor (sem alma). O telefone revela-se mais importante que os outros objetos, fazendo-nos pensar sobre a questão da incomunicabilidade. Parece haver, desde o início do filme, uma falha na comunicação que acaba por piorar o estado deste homem que morre sozinho e distante do resto do mundo. A dor da perda revela-se fatal.

Inês Moreira

Poster de Mea Filia, de Christine Tsakmaka © Direitos Reservados

MEA FILIA, 2020

Um filme de CHRISTINE TSAKMAKA

Não é por acaso que a personagem principal, a mulher que trabalha no orfanato rodeada de crianças, se chama Antígona. À semelhança da personagem da tragédia de Sófocles, também ela é obrigada a lutar – embora se trate neste caso de uma luta interior – contra a infertilidade que se revela no seu corpo. A curta-metragem vive, assim, deste contraste entre a vivacidade infantil que rodeia a protagonista e o desejo frustrado, que partilha com o marido, de gerar vida. É neste ponto que a relação de Antígona com a pequena Danae ganha sentido. Ambas parecem encontrar a relação mãe-filha que lhes foi negada pela morte e pela doença, construindo laços tão ou mais fortes do que aqueles que unem uma família biológica.

Afonso Matos

Poster de Storgetnya, de Hovig Hagopian © Direitos Reservados

STORGETNYA, 2021

um filme de HOVIG HAGOPIAN

A Arménia é um país que prima pelo melhoramento da saúde e do bem-estar e pela riqueza de recursos dos seus sistemas. Storgetnya é um documentário que se foca numa das clínicas subterrâneas deste país, na mina Avan Salt, a 230 metros abaixo da superfície. A clínica tem foco na terapia espeleológica, uma terapia preventiva de doenças como a asma, e debruça-se numa procura por um melhoramento do sistema imunitário. 

Hovig Hagopian, jovem cineasta francês, apresenta este tema que, apesar de documentado, não se revela muito explicativo. O eixo central é a comunidade, um grupo de pessoas que se junta com o mesmo propósito: melhorar a sua qualidade de vida. Este é o tema do documentário, que se foca no estilo de vida comunitário destas pessoas. As particularidades do tratamento pouco parecem importar.

Um documentário que não é marcado pela intervenção do realizador, o qual revela muito mais observativo e contemplativo do que explicativo. Há ainda nele uma aproximação ao género literário do realismo mágico numa ideia de que algo tão estranho para o espectador comum, seja tão natural e tão caseiro para as pessoas que o vivem. Esta distância que o espectador sente do tema leva a uma quase ficcionalização do mesmo.

Storgetnya diminui a distância entre nós, espectador, e estas pessoas e dá-nos a conhecer esta realidade através da sua contemplação. E esta é talvez a maior qualidade do género documental.

Inês Moreira

Poster de The Dream, de Tamara Broćić © Direitos Reservados

THE DREAM, 2020

Um filme de TAMARA BROćIć

Realização, Argumento, Produção, Edição: TAMARA BROćIć; Correção de cor: MILOS RADOVANOVIC;  Elenco: JELENA RADOVANOVIC

A paisagem onde se ergue a loja de onde nos fala Jelena corresponde ao típico lugar de passagem. Um enclave entre as estradas da montanha, uma albergue numa aldeia isolada, uma estalagem do oeste árido: todos estes lugares transmitem a sensação de uma caixa fortificada onde recuperar as forças para a viagem. Só que o que faz esta curta-metragem é dar-nos a conhecer quem está por trás deste tipo de estabelecimentos, uma matriarca com a força resiliente de uma velha árvore, vivendo a desolação do muA paisagem onde se ergue a loja de onde nos fala Jelena corresponde ao típico lugar de passagem. Um enclave entre as estradas da montanha, um albergue numa aldeia isolada, uma estalagem do oeste árido: todos estes lugares transmitem a sensação de uma caixa fortificada onde recuperar as forças para a viagem. Só que o que faz esta curta-metragem é dar-nos a conhecer quem está por trás deste tipo de estabelecimentos, uma matriarca com a força resiliente de uma velha árvore, vivendo a desolação do mundo que a rodeia, exacerbada pela perda do marido e pelo encerramento da sua loja. Os pequenos gestos ganham sentido, assim como o sonho, na ordenação da realidade dura para onde nos deixamos levar, por fim, nesse movimento de contemplação – qual cura da melancolia — de ligação à terra e aos seus ciclos. Na solidão que se segue a uma morte misteriosa e ao fecho da loja, fundada com furor em tempos idos, a mulher exerce ainda uma função vital que contraria o ímpeto destruidor do destino, sustentando as fundações desta aldeia.

Afonso Matos

Poster de Ditadura Roxa, de Matheus Moura © Direitos Reservados

DITADURA ROXA, 2020

Um filme de MATHEUS MOURA

A sociedade onde decorre a ação desta curta-metragem, com os seus problemas estruturais bem claros, funciona como uma metáfora para a bipolaridade do Brasil dos nossos tempos. O peso da religião e a separação rígida entre o povo e as elites são duas características que podemos destacar tanto no plano da ficção como, sem dúvida, no da realidade. A associação entre o poder religioso, a cor roxa dos rostos e da iconografia cristã, e a manutenção de uma ordem social que distingue os privilegiados dos outros, os rostos verdes ligados à pobreza ou a uma quase escravidão, é aqui trabalhada com mestria. O sacrifício bíblico de Isaac por Abraão inverte-se num assassinato que permite a ascensão da protagonista para uma hierarquia superior. Mas o processo, com um início aleatório despontado pelo jogo, a transformação de traços macabros e delírios distorcidos, descreve também a violência da passagem de um mundo para o outro. A festa roxa em que somos levados a entrar exalta a estranheza dessa sociedade que, sujeitando a maioria dos seus membros a uma vida no limiar da pobreza – suportada pela hipocrisia da fé – encena o seu teatro de futilidades. Por tudo isto, esta curta põe o dedo numa ferida bem aberta (no Brasil, mas não só) que, com maior ou menor mestria, continuaremos a tentar sarar.

Afonso Matos

Esta é já a terceira sessão da mostra Rebentos, que poderão acompanhar no próximo dia 9 de junho, pelas 19h30, na Casa da Juventude da Tapada das Mercês.

Nota: A folha de sala inclui textos de autores que não pertencem ao CINEblog IFILNOVA.

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