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Scorsese devolve-nos a lição em Made in England: The Films of Powell and Pressburger

Um dos protagonistas desta 74ª edição da Berlinale é o realizador Martin Scorsese, que, no passado dia 20, foi honrado com o seu mais prestigiado prémio – o Urso de Ouro Honorário. Anteriormente, este foi atribuído a nomes como Steven Spielberg, Isabelle Huppert, Wim Wenders e Ken Loach. A acompanhar a atribuição do prémio, numa sessão especial de homenagem, foi exibido The Departed – Entre Inimigos (2006), filme que valeu a Scorsese o seu primeiro e único Óscar de Melhor Realizador (não esquecer que este ano o cineasta está novamente nomeado para Melhor Realizador por Assassinos da Lua das Flores).

Os dois não são indissociáveis, pelo que, se a Berlinale escolheu distinguir Scorsese pela sua obra enquanto realizador, soube também que era importante dar espaço a Scorsese enquanto “professor” ou, mais essencialmente, enquanto “fã apaixonado” que é. Esse espaço está consagrado no filme Made in England: The Films of Powell and Pressburger (2024), realizado por David Hinton e exibido na secção Berlinale Special. O filme é sobre, precisamente, a reconhecida dupla de realizadores Michael Powell e Emeric Pressburger. 

Emeric Pressburger, Michael Powell e Martin Scorsese em Made in England: The Films of Powell and Pressburger, de David Hinton © 2024 P & P Film Limited & British Broadcasting Corporation.

O filme é inteiramente narrado por Scorsese enquanto este mergulha a fundo nas obras dos dois realizadores, obras essas de grande valor sentimental e formativo. O cineasta abre a longa-metragem com uma partilha do seu primeiro contacto com um dos elementos da dupla – Michael Powell – através do seu filme O Ladrão de Bagdad (1940), um de muitos filmes britânicos que era possível às televisões americanas exibir por não haver questões de direitos. Scorsese conta como, por padecer de asma, passava a maior parte do tempo em casa a ver estes filmes. Este começo comunica-nos logo como esta viagem será pessoal e emocional para o seu narrador.

A história é percorrida de forma cronológica, documentando os trabalhos individuais até à dupla se encontrar e a obra que desenvolveram conjuntamente, onde assistimos a uma enriquecedora aula de Scorsese enquanto este fala de filmes como A Vida do Coronel Blimp (1943), Quando os Sinos Dobram (1947) e Os Sapatos Vermelhos (1948). A acompanhar a narração, sempre apaixonada, temos cenas dos respetivos filmes e momentos referidos numa ilustração que explicita as ideias, mas não as ultrapassa. Quer isto dizer que não existe um jogo entre as imagens mostradas que acrescente significado ao que é dito por Scorsese e que eleve o documentário para lá da sua convencionalidade.

As imagens são poderosas por si e ilustram o tratamento de cor, do movimento e o sentido de música e ritmo que faz com os filmes sejam ainda hoje conceituados (importante aqui referir que este reconhecimento em muito se deve ao esforço de curadoria de Scorsese, que se tornou amigo próximo de Powell nos últimos anos da sua vida e lhe apresentou Thelma Schoonmaker, que viria a ser sua esposa). Retomando o filme, fica a faltar um outro registo: um registo que refletisse a própria experimentação que marcou a cinematografia de Powell e Pressburger e, mais ainda, a paixão pelo cinema que Scorsese tanto exulta no par. Em vez de “Os filmes de Powell e Pressburger”, um subtítulo mais apropriado seria “Os filmes de Powell e Pressburger segundo Martin Scorsese”. Não que este seja mau professor, muito pelo contrário (é possível ouvi-lo horas a fio sem cansaço). A menção solitária a David Hinton, neste texto, por comparação com as várias ao cineasta americano, não é por acaso. Scorsese está a devolver ao espectador a lição que aprendeu a partir dos filmes de Michael Powell e Emeric Pressburger, numa aula que é inteiramente sua.

Nuno Gaio e Silva

[Foto em destaque: Kim Hunter e David Niven em A Matter of Life and Death, de Michael Powell e Emeric Pressburger © Carlton International Media Limited]

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