Categorias
Críticas Estreias

X – o desejo violento por uma juventude dissolvida

É com imagens de policiais chegando na cena de um crime e de uma televisão com um pastor afirmando o quão pecaminosas são as pessoas que se deixam levar pelos desejos da carne que a narrativa de X inicia-se, do realizador Ti West, lançado em 2022. Após um percurso de quase 20 anos, West realizou o que já pode ser sentido como um clássico dentro dos filmes de slasher.

No final dos anos 1970, um grupo de pessoas viaja para o interior do Texas e hospeda-se em uma fazenda, com o intuito de usá-la como set para o filme pornográfico que irá ser gravado. O dono da propriedade, um senhor com cerca de 90 anos, não simpatiza com os visitantes e quando Pearl (Mia Goth) – sua esposa, também da mesma idade – vê as filmagens do grupo, uma série de assassinatos irrompe no local.

Ao trazer para o terror as frustrações de uma vida que nunca aconteceu, West consegue integrar eficientemente o estilo do gênero a uma narrativa que aborda temáticas complexas. Inconformada com o passado, Pearl atira para os personagens toda a angústia que sente pelo o que gostaria de ter vivido. Ela vê na protagonista Maxime (também interpretada por Mia Goth) um reflexo da sua juventude e, por vezes, tem vontade de tocar em sua pele, como se fosse um dispositivo que trouxesse de volta o tempo que já se desfez.

O desejo carnal é então um dos elementos que permeia toda a narrativa. Pearl também anseia por ter relações com seu marido, embora este sempre a lembre de que está velho demais para isso – o sexo, portanto, explicita mais ainda a dicotomia entre juventude e velhice. West traz estes conflitos no cenário da América puritana dos anos 1970, época de alta na produção de vídeos caseiros, nos quais se incluem filmes pornográficos amadores. 

X, de Ti West © A24

A fazenda texana torna-se cenário para o assassinato em série do grupo – embora seja um local vasto, ele se transforma em um ambiente extremamente claustrofóbico. Ao revisitar o subgênero slasher, West realiza uma atualização de alguns elementos clássicos. Pearl não usa nenhuma fantasia, mas seu visual transmite uma atmosfera tão deteriorada que funciona perfeitamente como uma; Maxime torna-se a “final girl”, a última mulher viva para vencer os vilões e contar a história; e, embora haja uma certa demora para os assassinatos começarem, temos uma intensa presença da violência gráfica quando eles ocorrem. Isso cria uma nostalgia dos clássicos do gênero – especialmente na cena em que Pearl mata RJ (Owen Campbell), quando há um close-ups no rosto dos personagens, na faca e no carro ensanguentado.

Tal violência é o ápice de uma tensão construída substancialmente pela montagem, a partir de súbitas alternações de planos e de cortes abruptos em alguns momentos, e pela trilha sonora. As escolhas formais cumprem o papel de gerar inquietação e quebrar a expectativa do público – West surpreende com novos elementos que surgem no plano quando este é mais fechado. O filme também ganha uma força e profundidade ainda maior com a atuação de Mia Goth, que interpreta tanto Maxime quanto Pearl. A diferença e intensidade com que executa as duas personagens nos faz esquecer que estamos vendo a mesma atriz. 

Terminamos X com a vontade de querer saber mais sobre esse universo, uma vez que é perceptível a existência de uma motivação maior engatilhando os assassinatos. A boa notícia é que West realizou Pearl, uma das estreias do IndieLisboa deste ano. O filme é um prelúdio desse cosmos, apresentando a história de Pearl quase 60 anos antes e os acontecimentos que culminaram no comportamento assassino.

Superficial em primeiro momento, X explora no gênero do terror questões mais profundas para além da violência gratuita. Somos confrontados com a recusa do envelhecimento, o desejo por fama e dinheiro e o puritanismo na América dos anos 1970 – temáticas por vezes ainda mais atuais hoje em dia. Ao nos fascinar com uma narrativa intrigante, West cria também um clássico imediato. 

* O presente texto encontra-se escrito em português do Brasil.

Lílian Lopes

[Foto em destaque: X, de Ti West © A24]

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *