De regresso às salas de cinema de Berlim, a 72ª edição da Berlinale apresenta, de 10 a 20 (embora também para a imprensa uma versão mais curta, até 16 de Fevereiro, quando serão anunciados os prémios), as secções Forum e Forum Expanded, como parte da sua programação.
Com curadoria e organização do Arsenal – Institute for Film and Video Art, a programação do Forum e do Forum Expanded propõe, como se pode ler no site, uma reflexão sobre as possibilidades estéticas do cinema e como elas se articulam ou podem articular com narrativas sociais e políticas, que enriquem o discurso artístico e, consequentemente, actualizam as relações do cinema com o mundo.
Tal como nas edições anteriores do festival, a selecção deste ano do Forum é composta por cerca de 40 filmes de realizadores oriundos de vários países – Egipto, Líbano, Cazaquistão, Sérvia, Argentina, Canadá, Brasil, Vietnam, Portugal, Alemanha, Suíça, entre outros.
Num contexto pandémico, que afectou, sem precedentes, a produção cinematográfica e impediu, em 2021, a realização presencial de festivais de cinema, entre eles a Berlinale, são vários os filmes da programação do Forum de 2022 que abordam as consequências da actual situação pandémica para a realização cinematográfica.
Um diário satírico sobre a sobrevivência dos artistas e das famílias em confinamento, La Edad Media (The Middle Ages) realizado pelo casal argentino Luciana Acuña, bailarina e coreógrafa, e Alejo Moguillansky, realizador, estreia na Berlinale com a promessa de inovar o que até então tem vindo a ser o registo documental habitual dos filmes sobre o confinamento. Num estilo observacional e mais tradicional do documentário, Für die Vielen – Die Arbeiterkammer Wien (For the Many – The Vienna Chamber of Labour), realizado pelo documentarista alemão Constantin Wulff, foca-se numa importante instituição do movimento trabalhista austríaco, que se prepara para celebrar o centésimo aniversário quando irrompe a pandemia. Filme ensaio sob a forma de diário de viagens entre Graz, China e Mianmar, durante a quarentena, Jet Lag é a muito aguardada segunda longa-metragem da realizadora chinesa Zheng Lu Xinyuan, que, em 2020, ganhou o Prémio Tigre no IFFR – Rotterdam International Film Festival com Ta fang jian li de yun (The Cloud in Her Room).
Não obstante a multiplicidade de perspectivas presentes nestes filmes, que se enquadram no que se tem vindo a designar como arte pós-pandémica, amor, família e política parecem ser o solo comum da sobrevivência a estes estranhos tempos pandémicos.
O veterano americano James Benning, presença habitual da Berlinale desde 1977, estreia a sua mais recente longa-metragem The United States of America, o segundo filme do realizador com o mesmo título. Se o primeiro, de 1975, deixava entrever as paisagens americanas durante uma viagem de carro pelo país, no segundo, James Benning repete o percurso, desta vez sem carro, fixando essas mesmas paisagens em planos estáticos com duração inferior a dois minutos.
No seu 52º aniversário, o Forum Special, principal programa do Forum da Berlinale, lança um olhar sobre o lugar do cinema na sociedade e na cultura. Através de seis programas dedicados à história do cinema, que abrangem um período de 40 anos, de 1979 a 2019, onde é possível descobrir ou revisitar filmes como Merry Christmas de Raoul Peck, exibido em 16mm, Fremd. Yaban., de Hakan Savas Mican, e Dreckfresser (Dirt for Dinner) de Branwen Okpako, ambos exibidos em 35mm, o Forum Special pretende abrir espaço para uma reflexão que ultrapassa o próprio meio cinematográfico.
Porque falar de cinema é também falar daqueles que lhe foram devotos ao longo da vida, este ano, a programação desta secção é ainda mais especial, com a exibição do documentário Komm mit mir in das Cinema – die Gregors (Come With Me to the Cinema – The Gregors), realizado por Alice Agneskirchner, que conta a história do Forum e dos seus fundadores, Erika Gregor e Ulrich Gregor, nomes incontornáveis da história do cinema na Alemanha do pós-guerra.
A completar o Forum Special, estreiam as versões restauradas de dois filmes tão históricos quanto actuais. Beirut al lika (Beirut the Encounter),do aclamado realizador libanês Borhane Alaouié, que faleceu em Setembro do ano passado, estreia em versão restaurada em 2K pelo Royal Belgian Film Archive, 40 anos depois de ter sido exibido, em 1982, na Competição Oficial da Berlinale; e West Indies ou les nègres marrons de la Liberté (West Indies), um marco da filmografia do realizador africano Med Hondo, falecido em 2019.
A 17ª edição do Forum Expanded apresenta, tal como o nome indica, um programa complementar ao Forum, todavia mais vasto e multidisciplinar, do qual fazem parte, para além de cerca de 30 curtas e longa-metragens, uma exposição colectiva, Closer to The Ground. Várias exposições a solo e um conjunto de eventos que combinam desde arte visual, a teatro, performance e música. O tema da proximidade, palavra cara aos nossos dias, atravessa este conjunto de obras, descritas por Ala Younis e Ulrich Ziemons, directores da secção, como manifestações artísticas de protesto e resistência.
Uma das principais artérias da Berlinale, o Forum, secção criada e pensada para desafiar convenções e expandir a linguagem cinematográfica, assim como a discussão em torno dela, vem, desde o seu aparecimento, em 1971, a inscrever-se na história do cinema. Este ano não é excepção! São mais de 100 filmes para ver, de 10 a 16 de Fevereiro, em salas de cinema, por onde já passaram e estrearam grandes figuras do cinema, como Jacques Rivette, Chantal Akerman, Jim Jarmusch, Béla Tarr, Aki Kaurismäki, Michael Snow, Manoel de Oliveira, Andrei Tarkovsky, Derek Jarman, Raúl Ruiz, e tantos outros.
Para saber mais sobre a presença portuguesa na secção Forum da 72ª, ler o artigo de Vera Barquero aqui.
Cátia Rodrigues