NOVA INTERAÇÃO | Rir para não chorar
Bégan
Maria Jorge | Portugal, 2023
Um narrador masculino apresenta-nos as personagens e o espaço da narrativa: o talho “Carnes Herança”, onde o jovem Álvaro trabalha com o pai. A somar à voz off descritiva e radiofónica, os planos simétricos de Bégan parecem querer evocar a cinematografia de Wes Anderson. Em tons pastel cuidadosamente pincelados a vermelho, acompanhamos a história do coming out de Álvaro, que é vegan (ou “Bégan” como escreve o pai no filme) e, claro, não quer herdar o negócio sangrento da família. Depois de chegar a um ponto limite, Álvaro decide que nunca mais vai tocar em carne. Engendra várias estratégias para esvaziar o talho da carne, preenchendo, assim, a narrativa de peripécias, que mantêm o registo leve e bem humorado do filme até ao fim.
João Garcia Neto
Encoberto
Rodrigo Rebello de Andrade | Portugal, 2022
Entramos em Encoberto pelo som: a uma banda sonora tensa e fria somam-se os latidos de vários cães. Um porta fecha-se e surge a primeira imagem no ecrã. A inaugurar um plano contínuo, expressivo (quatro minutos) e cuidadosamente orquestrado, uma mão pousa uma arma na mesa. Se dúvidas restassem, desapareceriam: estamos dentro de um filme do género suspense. Durante a primeira parte da narrativa conhecemos um grupo de assaltantes, de que faz parte o Encoberto — Vargas, um agente infiltrado no grupo, protagonizado por Rafael Morais. A relação que Vargas desenvolve com o personagem de Pedro Lacerda, na antecâmra do assalto a uma joalharia, vai dificultar a missão do agente, elevando a carga dramática da narrativa a um questionamento moral.
João Garcia Neto
Celui qui devint méchant alors qu’au départ il était gentil
Jauffrey Gallé | França, 2022
Celui qui devint méchant alors qu’au départ il était gentil é um filme que se desloca em silêncio, pouco a pouco, até ao espectador – depois – chocalha, sensibiliza, magoa. Em estilo sátira social, Frederick vai sobrevivendo. Entre burocracias, apoios sociais falhados e longas temporadas passadas ao telemóvel, esperando alguém que não quer nem vai atender, testemunhamos a decadência do “Nice Guy Turned Bad”.
Poderia facilmente ser associado a “They Live” de John Carpenter, precisamente pela sua condição robótica e irónica: a mise-en-scène hiperbolizada e as encenações macabras e cínicas colocam em jogo a história estupidamente simples de outro que se deixou enganar pelo sistema.
Carrega a elegância de um conto sequencial e linear, mas a força de uma bala na qual se vai perdendo o fio à meada da humanidade. O filme de Jauffrey Gallé é comicamente fatal e fatalmente cómico.
Inês Dias
Supper
Andor Berényi | Hungria, 2022
Supper é um filme de perguntas, não de respostas. As pontas soltas são quase todas, e que moral haverá em julgar sem conhecimento. Um filme sem contexto é uma armadilha, mas que contexto haverá para os filmes? A comunidade é certamente um deles. O lugar que convida ao exorcismo partilhado das emoções, à mesa redonda de opiniões, onde as falhas ou faltas do filme, bem como as nossas, se vêem preenchidas pelos diferentes pensamentos que se apressam a tapá-las. É então o cinema lugar duplo de exibição e reflexão, também um local de confronto com o nosso espírito, com a nossa opinião e imaginação. O que achamos nós de um filme? Porque achamos, e como achamos? O que nos conta isso de nós? Os filmes começam na tela, mas parecem nunca mais acabar no nosso imaginário comum. As margens temporais da imagem fechada no templo são transbordadas pelas ondas que ressoam no público que dele sairá, levando consigo não o que viram, mas o que interpretaram. O cinema vive nessa interação com o público, a continuação natural da história é o comentário de quem a vê depois.
Diogo Albarran
As seguintes folhas de sala são uma parceria com o CINENOVA – Festival de Cinema Interuniversitário Português
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