NOVA OBSERVAÇÃO | Ver Devagar
Broto a Broto
Óscar Silva | Portugal, 2021
Um filme que se apresenta como uma experiência. Com cores vibrantes, sons repetitivos e música envolvente, Broto a Broto convida-nos a entrar de olhos bem abertos no seu universo. O surreal floresce num horizonte natural, semeado por espectros numa paisagem saturada. Esta curta-metragem conduz-nos por um ritual que não necessita de vozes, que se mantém rente à terra e aí encontra a sua alma.
Margarida Rodrigues
Flores para o meu Pai
Luís Afonso Matos | Portugal, 2022
Como retratar a memória de forma concreta? Como “re-dramatizar” o passado sem o filtro de gaze da nostalgia parasítica que tenta sempre tornar o filme numa explosão emética de imagens aprimoradas? O que mais surpreende neste filme belíssimo é a construção por blocos. Em vez de captar a memória através das imagens fugazes que se dissolvem num todo, do subconsciente memórias chave são escavadas, cada uma eleita para um plano. O filme foge longe do pictórico, cada plano contém a beleza do mundo real que a câmara capta sem nunca se deixar pelo postal, os enquadramentos são extremamente dinâmicos em toda a sua profundidade de campo, o sentido cresce a cada segundo que passa. E mesmo sendo construído por estes longos e lindos planos – de forma exemplar, mas deixando algum espaço natural para respirar -, não é um filme da disjunção: o plano é a unidade mínima da sua linguagem e nesta acumulação vai de encontro a uma narrativa extremamente comovente.
Vasco Muralha
Neblina
Milene Coroado | Portugal, 2023
Em Neblina, tece-se um exercício contemplativo sobre a melancolia e a relação do melancólico com o tempo. A melancolia é a neblina da condição humana: chega em silêncio e envolve a alma num entorpecimento profundo. Trazer a melancolia para o cinema implica pensar o espaço e o tempo como formas de sensibilidade. Entre o sono e o silêncio pesado, a quimera e a introspecção, o melancólico está no espaço, estagnado no tempo. Não há progressão narrativa, o gesto fica suspenso – propenso ao esquecimento.
Maria Inês Mendes
Winterslaap
Leandros Brown, Daniel Howells | África do Sul, 2023
Duas irmãs aprisionadas num lugar onde o sol há muito deixou de chegar. Uma mãe morta e um passado histórico feito de silêncios. Na África do Sul, em contexto pós-guerra – Segunda Guerra Boer – espera-se a primavera.
Ao dar vida a Terra Sonâmbula, Mia Couto inadvertidamente plantou as sementes que floresceriam em Winterslaap. A palavra que vem unir ambas as obras é precisamente: Terra. Terra Perdida, Terra Amaldiçoada, Terra Sonâmbula. Neste reino de palavras, a terra é regada em lágrimas e colhida em sofrimento.
Leandros Brown e Daniel Howells apresentam-nos um filme recheado de segredos, desenvolvido em cadência silenciosa numa mística que se assemelha a Bergman em substância de melancolia. “There is nothing left to care for” – a maturidade e sofisticação do filme que se coloca lado a lado com a consciência de que talvez o sol não virá e teremos de dançar à chuva.
Inês Dias
As seguintes folhas de sala são uma parceria com o CINENOVA – Festival de Cinema Interuniversitário Português
CINEBLOG