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A Date in Minsk: A vida é uma ficção

A Date in Minsk é um objecto curioso por várias razões. Nikita Lavretski, realizador bielorrusso – que, para além deste, apresentou, ainda nesta edição do DocLisboa, o filme que realizou com Alexey Suhanok, Jokes About War -, é já conhecido pelo baixo ou inexistente orçamento das suas produções e por uma profunda paixão pelo cinema e engenho para construir os seus filmes. A Date in Minsk é filmado totalmente com um smartphone e um par de microfones de lapela, num longo plano sequência que dura os 88 minutos do filme. 

Através do cartão inicial e da sinopse percebemos a premissa do filme: Nikita e Volha são, na “vida real” (não é certo o que isso significa neste filme), um casal disfuncional com uma relação tóxica que dura há anos e que aqui interpretam um casal que acaba de se conhecer. O filme é todo filmado pelo terceiro elemento presente, a também realizadora bielorrussa Yulia Shatun, que vai apontando a câmara para a ação, tentando encontrar (de forma improvisada como é toda a ação o filme) o ângulo adequado para cada momento. Facilmente se percebe a potencialidade existente nesta ideia e o que ela pode alcançar.

Começando por acompanhar uma partida de bilhar entre os dois num salão de jogos, a câmara segue este casal no seu percurso até à estação de metro, onde cada um segue o seu caminho. Por entre a conversa ligeira de encontro amoroso, vai sendo revelado o contexto político e a actualidade da Bielorrússia. Rodado há poucos meses, já depois da invasão russa na Ucrânia, essa é também uma temática presente no filme e, simbolicamente ou não, ao sair do salão de jogos, Nikita veste um cachecol com as cores ucranianas.

A Date in Minsk, Nikita Lavretski © Doclisboa

Para quem não percebe russo, o constante diálogo entre as personagens que se estão a conhecer torna-se cansativo de acompanhar, já que o espectador dá por si a ler durante o filme inteiro, sobrando pouco tempo para olhar com atenção as imagens e reparar nos pormenores da ação. Contudo, o filme funciona, pois a dinâmica entre Nikita e Volha permite que do seu total improviso saia uma espécie de comédia romântica (algo que o realizador assume ter como inspiração) pautada por momentos de discussão e curiosidade pelas opiniões um do outro sobre os mais variados temas.

Do ponto de vista formal, este é um filme surpreendente. Como afirma o realizador, o aspecto performativo é o seu conceito central, daí só fazer sentido este ser realizado num só take, sem qualquer escrita de diálogos ou tópicos ensaiados. Entre a comédia e o drama, com a cidade de Minsk em pano de fundo, o jogo ficcional que o casal cria faz-nos questionar sobre as barreiras que separam a vida do cinema. A Date in Minsk acabou mesmo por vencer o grande prémio da 20ª edição do DocLisboa, “pelo conceito cinematográfico, pela preocupação com temáticas atuais, pela autenticidade dos diálogos e interpretações”, segundo as palavras do júri. Nikita Lavretski é já um dos nomes a acompanhar do cinema bielorrusso e a sua inventividade faz-nos querer seguir de perto o seu percurso.

Ricardo Fangueiro

[Foto em destaque: A Date in Minsk, Nikita Lavretski © Doclisboa]

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