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A mística dos anos 1930 em The Group, de Sidney Lumet

Dentro dos frequentes debates sobre a figura da mulher na sociedade, um filme desperta a atenção – talvez pelo fato de ter sua direção assinada por Sidney Lumet, mas ser raramente lembrado. O Grupo (The Group), lançado em 1966, é uma adaptação do romance escrito por Mary McCarthy e publicado em 1963. Ambientado na América dos anos 1930, somos apresentados ao mundo de oito jovens recém graduadas e às suas perspectivas sobre a vida.

Num primeiro momento, O Grupo salta aos olhos ao trazer determinadas temáticas que dificilmente seriam vistas de forma crua no cenário pós-Grande Depressão – embora tenha sido realizado trinta anos depois, é singular ver tais assuntos serem abordados no seio daquele contexto. O filme se passa ao longo de quase dez anos, iniciando em 1933 e terminando na época da Segunda Guerra Mundial, em 1940. As jovens encontram-se em um mesmo ponto de partida e seguem suas jornadas individuais ao longo desse período, algumas focam suas vidas no trabalho enquanto outras na vida pessoal – casamento e filhos. 

A cena inicial é composta por uma montagem de diversos momentos vividos pelas personagens na Universidade de Vassar – uma instituição localizada a alguns quilômetros da cidade de Nova Iorque e que, até o ano de 1969, só aceitava meninas. A sequência culmina na formatura, quando é proferido um discurso por Helena (Kathleen Widdoes), na qual ela afirma: And we believe, as we take our separate roles, that it is only in achieving the highest personal fulfillment, the goal of our education, that each will make the greatest contribution to our emergent America.

É praticamente impossível não lembrarmos de algumas ideias trazidas em A Mística Feminina ao ouvirmos essa fala e vermos o filme. Lançado em 1963, o livro de Betty Friedan reflete sobre o comportamento e o papel das mulheres nos anos 1950 e 1960, que culminou no conhecido “O Problema Sem Nome”. Na obra, ela coloca em pauta a problemática da figura feminina como alguém limitada a ser esposa, mãe e dona de casa. Em teoria, essas deveriam ser as únicas obrigações de uma mulher e ela deveria se sentir completa e realizada por isso. Assim, embora elas tivessem alcançado o tão desejado “sucesso”, a sensação de vazio crescia cada vez mais. 

The Group, de Sidney Lumet ©

Friedan retrocede no tempo até os anos 1930 – época em que ocorre a narrativa de The Group – e nota que a função da mulher nesta altura era bastante diferente daquela vista anos depois. Eram heroínas independentes, “profissionais felizes, orgulhosas, aventureiras e atraentes – que amavam os homens e eram amadas por eles. E o espírito, a coragem, a independência, a determinação – a firmeza de caráter que demonstraram no trabalho como enfermeiras, professoras, artistas, atrizes, redatoras, vendedoras – era parte do seu charme.” (p. 41). Além disso, nos anos 1930 elas “estavam caminhando na direção de um objetivo ou visão própria, enfrentando algum problema do trabalho ou do mundo, quando encontravam seu homem” (p. 41).

O que vemos aqui é um retrato da cena inicial e do discurso de Helena, as garotas almejam fazer a diferença a partir da educação que receberam em Vassar. Assim, nota-se a estranheza das demais ao verem Kay (Joanna Pettet) casando-se logo após a saída da universidade – uma vez que o esperado seria seguir a carreira profissional.

Também podemos perceber ao longo do filme outros momentos que trazem à tona as questões postas por Friedan. O arco narrativo de Polly (Shirley Knight) ilustra a ideia de que o homem entraria em suas vidas quando o foco estivesse voltado para o trabalho, ou seja, não haveria uma busca desesperada por alguém para se sentirem completas.

Entretanto, nota-se também o começo da mudança para aquilo que viria a resultar no “Problema Sem Nome”. Priss (Elizabeth Hartman) sofre com o facto de se ver obrigada pelo seu marido a amamentar o filho, quando na verdade ela não consegue fazê-lo – ele inclusive a culpa porque os enfermeiros alimentaram a criança com fórmula. A devoção de Kay ao marido que a trai, a vida dedicada à família de Priss e as questões amorosas de Dottie (Joan Hackett) – ela tem seu coração dividido ao se ver em meio a uma proposta de casamento quando na verdade ama outro homem – contrastam com a vida de Libby (Jessica Walters).

A personagem de Libby e sua jornada são complexas. Ela desvia-se do caminho do casamento e filhos, não porque não queira, mas porque não consegue se relacionar sexualmente com homens. Em paralelo, sua esperteza a ajuda a crescer cada vez mais na carreira profissional e faz com que seja uma das mais bem sucedidas entre as amigas. Em termos visuais, percebemos sua profundidade nas cenas em que está no seu quarto, onde a decoração é composta por tons de roxo e muitas bonecas espalhadas por prateleiras e pelas camas.

The Group, de Sidney Lumet ©

Além disso, o que encontramos na obra de McCarthy/Lumet é uma série de temas como relações lésbicas, aborto, controle de natalidade… É difícil imaginarmos estas pautas, por exemplo, em um filme da RKO, dentro de uma mise-en-scène art decó ou sendo debatidas por Katherine Hepburn – especialmente após a instauração do Código Hays. The Group carrega a possibilidade de vermos tais questões sendo discutidas num cenário visual diferente do que estamos habituados.

A força de The Group reside na história. A realização de Lumet é arrastada e cansativa em determinados momentos, assemelha-se, por vezes, a um filme feito para a televisão. Entretanto, algumas planificações chamam à atenção, como na cena em que as amigas estão sentadas numa mesa redonda e a câmera gira ao redor delas, uma escolha livre de problemas técnicos e de pós-produção.

The Group merece ser visto pelas reflexões históricas e se torna ainda mais rico junto da leitura de A Mística Feminina. Não é a obra mais interessante em termos visuais, mas conta uma história que merece ser conhecida se quisermos pensar mais sobre onde a figura da mulher esteve, para onde ela vai e quais são as possibilidades futuras. Em uma época de polarização, estamos inclinados a voltarmos para as ideias dos anos 1950 ou para Vassar da década de 1930?

* O presente texto encontra-se escrito em português do Brasil.

Lílian Lopes

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