A cineasta catalã Carla Simón ergueu o Urso de Ouro por Alcarrás. Mas um dia antes, já o português Jorge Jácome sabia que tinha recebido o prémio FIPRESCI, da crítica internacional, por Super Natural.
A 72ª edição da Berlinale não foi exactamente como as anteriores, ainda assim com inúmeros motivos para celebração. Sobretudo devido às imposições sanitárias provocadas pelo covid-19, que motivaram a necessidade de testes diários para quem esteve presente, bem como a redução da lotação das salas para 50%. Foi também uma edição mais breve, desenrolando-se em apenas sete dias. Isto apesar do festival dirigido da dupla Carlo Chatrian e Mariette Rissenbeek se prolongar até domingo, completando a projeção de 256 filmes. Para já, ficam conhecidos os prémios atribuídos pelo júri internacional presidido pelo cineasta americano M. Night Shyamalan, em conjunto com os co-jurados, o brasileiro Karim Ainouz, a alemã Anne Zohra Berrached, o franco-tunisino Said Ben Said, a dinamarquesa Connie Nielsen, o japonês Ryusuke Hamaguchi e Tsitsi Dangarembga, do Zimbabué.
A catalã Carla Simon sagrou-se vencedora do Urso de Ouro com o drama familiar e social Alcarràs, narrando a realidade de uma família de cultivadores de pêssegos que enfrentam a expulsão da terra por uma empresa que irá substituir a fruta por painéis solares. “Este é um prémio para as pessoas que cultivam a terra”, exclamou Carla ao agradecer o prémio, durante a cerimónia no serão desta quarta-feira. Ela que pertence também a uma família de agricultores, tal como todo o elenco de actores não profissionais. Na verdade, como sucede em A Piece of Sky, de Michael Koch, um filme igualmente interpretado por não-actores, vencedor de uma menção honrosa.
Mesmo sem estar integrado em nenhuma secção competitiva, os inegáveis méritos de Super Natural, do português Jorge Jácome, foram identificados pelo júri FIPRESCI, distinguindo esse magnífico trabalho que capta um olhar novo sobre o cinema. Ao mesmo tempo sensorial e inclusivo.
Um dos outros vencedores da noite foi, sem surpresas, o coreano Hong Sang-soo, ao arrecadar o Grande Prémio por The Novelists Film, um registo de fotografia a preto e branco onde o prolífico cineasta desenvolve alguns dos seus temas favoritos. Apesar de introduzir, de forma algo subliminar no filme, uma mensagem que dizia “desta vez vai ser diferente”, no título de um dos livros que acompanham uma longa sequência, ele próprio anunciou com ironia, ao receber o prémio, que “irá continuar a fazer a mesma coisa”. Pelo menos é o que faz há três anos em Berlim, ao ganhar em três edições consecutivos o Urso de Prata.
O terceiro prémio da noite, o Prémio do Júri, foi entregue ao filme mexicano Robe of Gems, de Natalia López Gallardo, a companheira, actriz e editora do cineasta Carlos Reygadas. Já o prémio de realização foi concedido a Claire Denis pelo seu trabalho meticuloso Both Sides os the Blade (Avec amour et acharnement), acompanhando o romance entre os actores Juliette Binoche e Vincent Lindon.
Relativamente aos prémios de interpretação, como se sabe, o festival aboliu desde 2021 a determinação de género, distinguindo este ano a interpretação principal para a composição de Meltem Kaplan no filme do alemão Andreas Dresen Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush, interpretando a mãe que luta contra o sistema de justiça americano para libertar o filho da prisão de Guantánamo. O mesmo filme vencera ainda o premido e Melhor Argumento.
A premiação distinguiu ainda o filme Sonne, do cineasta austríaco Kurdwin Ayub, com o prémio de Melhor Primeiro Filme, e ainda o colectivo de cineastas anónimos de Myanmar, com o prémio de Melhor Documentário para The Myanmar Diaries, dando relevo à repressão no seu país depois do golpe de 2021.
Palmarés
Prémios Oficiais
Melhor Filme (Urso de Ouro) – Alcarràs, Carla Simon
Grande Prémio (Urso de Prata) – The Novelist’s Film, Hong Sang-soo
Prémio do Júri (Urso de Prata) – Robe of Gems, Natalia López Gallardo
Melhor Realizador (Urso de Prata) – Both Sides of the Blade, Claire Denis
Melhor Intérprete (Urso de Prata) – Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush, Meltem Kaptan
Melhor Interpretação Secundária (Urso de Prata) – Nana, Laura Basuki
Melhor Argumento (Urso de Prata) – Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush, Andreas Dresen
Contribuição Artística (Urso de Prata) – Everything will Be Ok, Rithy Panh
Menção Especial (Urso de Prata) – A Piece of Sky, Michael Koch
Encontros
Melhor Filme – Mutzenbacher, Ruth Beckermann
Melhor Realização – Cyril Schäublin, Unrest
Prémio Especial do Júri – A Vendredi, Robinson, Mitra Farahani
Outros prémios
Primeira obra – Sonne, Kurdwig Ayub
Melhor documentário – Myanmar Diaries, Myanmar Film Colective
Melhor documentário (menção especial) – No U-Turn, Ike Nnaebue
Curtas metragens
Melhor Curta (Urso de Ouro) – Trap, Anastasia Weber
Urso de Prata – Manhã de Domingo, Bruno Ribeiro
Menção especial – Bird in the Peninsula, Atsushi Wada
Prémios FIPRESCI
Competição – Leonora adddio, Paolo Taviani
Panorama – Bettina, Lutz Pehnert
Fórum – Super Natural, Jorge Jácome
Encontros – Coma, Bertrand Bonello
Paulo Portugal, em Berlim
[Foto em destaque: Urso de Ouro para ‘Alcarràs’. A produtora María Zamora e a realizadora Carla Simón]