Categorias
Folhas de Sala

André Novais Oliveira – Da interioridade social à exterioridade doméstica

Sobre o território periférico de Contagem, cidade do estado de Minas Gerais, no Brasil, André Novais Oliveira expande a aritmética do verbo e acto de habitar para uma alteridade composta por imagens, sons e gestos a que os seus filmes dão forma, matéria e tempo num diálogo entre cinema e paisagem, cinema e vida. Em Fantasmas, Pouco mais de um mês e Quintal o movimento de rompimento e alargamento eleva-se a fenómeno poético e alegórico. 

Longe do eixo São Paulo-Rio de Janeiro, dominante na produção de cinema brasileiro sobretudo até ao ano 2010, o realizador mineiro ajudou a definir um novo realismo, novo porque plural, sob o tecto da produtora Filmes de Plástico, que ele mesmo fundou com os realizadores Gabriel Martins, Maurílio Martins e o produtor Thiago Macêdo Correia. Desde 2009, a produtora tem-se afirmado no campo do Cinema de Periferia, no qual se inscrevem cada um dos seus nomes na historiografia do cinema brasileiro. Segundo Zanetti, o Cinema de Periferia caracteriza-se pela coexistência de uma dimensão interna, “que diz respeito à forma e ao conteúdo dos produtos audiovisuais em foco”, e uma dimensão externa, de viés político e social, “que diz respeito à posição simbólica ocupada por esses novos realizadores”. André Novais Oliveira, por sua vez, inverte e entrelaça o domínio de cada uma das dimensões, através de escolhas estéticas e narrativas que rompem com a distinção entre documentário e ficção e com o naturalismo expectável do Cinema de Periferia. Ao fazê-lo, o realizador coloca os seus filmes num lugar fílmico paradoxal entre uma interioridade social e uma exterioridade doméstica que construiu. 

O seu primeiro filme, Fantasmas, é um filme de um só plano-sequência e de um só propósito. Na expectativa de uma aparição, ouvem-se dois amigos conversar, sem que nunca se lhes veja o rosto, até à tomada de consciência por parte de um deles da existência de uma câmara que aponta na direcção da bomba de gasolina do outro lado da rua. A essa tomada de consciência segue-se o enunciado do propósito do filme – vislumbrar um amor do passado com a câmara, a qual irá mostrar o seu regresso, repetidamente confirmado na montagem. Vislumbrado esse amor, ao invés de se revelar a aparição que esperávamos desde o início do filme, ela prolonga-se à luz da descoberta de que os fantasmas estão no contra-campo que a câmara não mostra. 

Pouco mais de um mês, de André Novais Oliveira © Filmes de Plástico

Servindo-se de um fenómeno ele próprio fantasmagórico, o da câmara escura, Pouco mais de um mês convida-nos a entrar na atmosfera de um amor que o casal filmado, André e Élida, o realizador e a sua namorada, ainda não sabe ser amor. Ao ficcionalizar a sua vida, como se se tratasse da projecção de sombras no tecto do quarto do casal, André Novais Oliveira transforma-a na mise-en-scéne do filme, prolongando a intimidade do espaço doméstico para o espaço público, onde o filme se inscreve no tecido social das ruas de Contagem, nas quais o casal confessa um ao outro os receios do novo amor.

 

Quintal, de André Novais Oliveira © Filmes de Plástico

Quintal introduz dois elementos novos na cinematografia do realizador, a epifania e o cómico. Uma rajada de vento arrasta para o quintal de um casal de idosos, Maria José Novais Oliveira e Norberto Novais Oliveira, os pais do realizador, um portal de aspecto cósmico que vai invadir com um som crescente a sua casa. Se deste evento se esperava uma transformação na direcção narrativa do filme, na verdade, é nas acções que compõem o quotidiano do casal que a epifania se dá. De uma cassete de vídeo pornográfica antiga encontrada por casa surge uma tese de mestrado sobre movimentos estéticos do cinema pornográfico americano da década de 1990.. O tom cómico que envolve os acontecimentos do filme enfatiza o carácter surrealista da narrativa do filme, que o distancia da tendência realista que inicialmente parece seguir, nem por isso o afasta de uma reflexão social e política que começa dentro da casa de Noberto e Zezé e se expande tanto para o ginásio quanto para a academia. 

A obra inicial do realizador mineiro aponta para lugares intermédios, nem físicos nem psíquicos, onde o interior e o exterior se conjugam, onde os vários fragmentos se concentram num todo que paira como plano de fundo nos seus filmes. A pluralidade estética que encontramos nos seus filmes é atravessada pela horizontalidade da importância de cada um dos espaços filmados como lugares contíguos de diferentes vivências numa mesma realidade geográfica, Contagem. 

Cátia Rodrigues

[Foto em destaque: Fantasmas, de André Novais Oliveira © Filmes de Plástico]

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *