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Asteroid City: O espaço infinito entre a história e o narrador

O mais recente filme de Wes Anderson, Asteroid City, submerge o espectador num emaranhado de narrativas, tempo e espaço. Entre cenários e adereços, o realizador cria um universo fictício e altamente estilizado, preenchido por personagens excêntricas, aparentemente tão estáticas como os planos que ocupam. Nesta história, a única coisa real é o próprio ato de a contar.

Wes Anderson é conhecido pelo seu olhar cinematográfico único, que conduz o espectador por planos meticulosamente simétricos e histórias sobre histórias dentro de histórias. Os cenários detalhados e as cores pastéis características de Wes Anderson conferem um aspeto surreal aos seus filmes, o qual é ampliado pelos modos teatrais das personagens, que surgem no ecrã como atores em palco (em alguns casos, literalmente). As particularidades do realizador são evidentes, refinadas a cada novo projeto, mas, apesar da identidade que atravessa toda a sua obra, cada filme de Wes Anderson é uma peça singular e única.

Asteroid City é o culminar do método de Wes Anderson, um novo extremo do seu estilo. Trata-se do seu projeto mais ambicioso até à data, contando com cenários em miniatura construídos em Espanha e uma assembleia de atores de renome, que chega a ocupar metade do cartaz. Contudo, por mais extravagante que seja  a produção, este nível de dedicação não deixa de ser expectável por parte do cineasta, sendo antes o rumo da história que eleva o filme a um novo patamar no catálogo do realizador. 

Asteroid City (2023), de Wes Anderson @ Focus Features

O palco do filme é Asteroid City, uma amostra de cidade que rasga o deserto, com meia dúzia de edifícios perfeitamente alinhados no espaço negativo da paisagem. A sua maior (e única) atração é uma cratera formada pelo impacto de um asteroide, a origem do nome da povoação. O cenário ideal para um conto à Wes Anderson. O elenco é introduzido com uma precisão típica, a caracterização de cada personagem acrescenta detalhes à sua intriga, e cada conversa desvenda uma nova linha narrativa. Augie Steenbeck (Jason Schwartzman) é um fotógrafo de guerra em luto, teimosamente à espera do momento certo para contar aos quatro filhos que a mãe deles morreu. O filho mais velho, Woodrow (Jake Ryan), é um prodígio que foi convidado a exibir a sua invenção científica na convenção que irá decorrer em Asteroid City. O aglomerado de personagens expande-se em torno desta convenção e a cratera torna-se o lugar onde todos se reúnem. É aí, na pegada de um asteroide, que testemunham um evento insondável, o qual resulta na implementação de uma quarentena na pequena cidade.

Proibidas de sair, as personagens são obrigadas a confrontar a sua realidade, perspetiva e crenças no espaço restrito e quase irreal de Asteroid City. A limitação física das personagens reflete a cinematografia de Wes Anderson, que mantém as personagens fixas nos planos em prol da simetria e teatralidade. No entanto, perante o confinamento em Asteroid City, o realizador desdobra a história sobre si, destorcendo o espaço e o tempo, numa tentativa de procurar o significado das várias narrativas que se desenrolam. Apesar da quarentena, o universo de Asteroid City – e, consequentemente, o de Wes Anderson – abre-se perante as personagens e a audiência.

No meio desta espantosa sinfonia de cenários e narrativas, Wes Anderson revela, na voz de uma das personagens, que o propósito da história é simplesmente contá-la. Com as câmaras apontadas para o céu como telescópios, o realizador procura atravessar o espaço infinito entre história e narrador. Neste universo minuciosamente construído, o cineasta liberta as personagens da narrativa, deixando apenas a experiência do filme e a história que conta, como uma cratera deixada por um asteroide.

Margarida Rodrigues

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