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Críticas Estreias

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle, / As folhas mortas apanham-se com uma pá,

Les souvenirs et les regrets aussi / As recordações e os remorsos também

Et le vent du nord les emporte / E o vento norte norte transporta-os

Dans la nuit froide de l’oubli. / Na noite fria do esquecimento.

– Jacques Prévert

Em Folhas Caídas, de Aki Kaurismäki, sopra um vento nórdico e as folhas caem: o filme despe-se de floreados. Na sua simplicidade narrativa – sem ambiguidades ou irresoluções – o infinito projeta-se no concreto; as imagens são resquícios de humanidade.   

O vento sopra e as folhas caem.  

Resta uma representação da classe operária finlandesa, a quarta parte de uma trilogia. A receita repete-se, mas os pormenores são atuais: como uma ode ao que persiste e um testemunho do momento presente. As condições de trabalho de Holappa (Jussi Vatanen) e Ansa (Alma Pöysti) são precárias. Morrem de bebida, de desgosto e de solidão. As notícias da guerra entre a Rússia e a Ucrânia são ouvidas na rádio e fazem já parte do seu dia-a-dia: porque a violência é banal e a morte faz companhia. 

Quando o vento sopra e as folhas caem, é tempo de inverno.  

Mas as folhas mortas apanham-se com uma pá – as lembranças e os arrependimentos também. Nasce a primavera e um amor entre duas almas solitárias. Conhecem-se num bar de karaoke; nesse espaço onde as cores são mais quentes e a temporalidade é diferente. São poucas as palavras trocadas. Ainda não sabem os seus nomes, mas encontram conforto nesse constrangimento caloroso. É entre encontros e desencontros que partilham um jantar e uma ida ao cinema. E não será por acaso que o seu primeiro beijo é emoldurado pelo cartaz de Brief Encounter. Porque é disso que se trata Folhas Caídas. De um encontro breve, de um suspiro contra a solidão e de um amor comum: improvável e silencioso. 

Depois do vento soprar e das folhas caírem, resta o cinema.  

Os diálogos são escassos e as personagens são especiais por não o serem. O tempo passa nas prateleiras do supermercado, nas ruas cinzentas de Helsínquia, no ruído da indústria metalúrgica e nas pontas de cigarros apagados. E quando temos certeza de que o mundo cabe dentro do cinema, o filme termina com o nome “Chaplin”. Um regresso às origens: a esse lugar onde os mortos não morrem; onde nada acontece além da vida que passa.

Maria Mendes

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